Capítulo 10
“““ Essa noite não parecia que ia chover” pensava o Denis Muller enquanto ajeitava a mira telescópica do rifle de caça que comprara com um amigo. A mira estava desregulada e ele teve que fazer ajustes, mas agora estava perfeita e pronta para usar. Ele colocou o silenciador.
Ele observou a rotina do cabo Lopes durante vários dias: ele sempre se levantava no meio da noite, ia no banheiro e voltava para a cama, Denis achava que ele desenvolvera sonambulismo ou então que sua bexiga o acostumara a sempre urinar no mesmo horário: 23:50.
“Você vive bem demais prum cabo, Lopes: uma boa casa, boa mulher, mas hoje isso acaba!”
Nesse dia não foi diferente, Denis tinha conseguido um lugar perfeito para o disparo: uma janela no primeiro andar de um prédio em construção, o prédio estava só nos tijolos e as sombras davam a camuflagem perfeita que ele precisava. Ele vestia uma calça e uma jaqueta camuflada do exército, coturnos e suas plaquetas: Denis Muller e Paulo Victor Viana. Olhou a plaqueta que dizia o nome que não era seu. Segurou com firmeza as plaquetas e uma lágrima ameaçou nascer em seus olhos, se nasceu, ninguém sabe, nem mesmo ele, estava concentrado demais.
O céu estava estrelado demais, realmente, não iria chover. Essa época do ano tinha muita chuva, era molhada até demais, aprecia a Amazônia, segundo o ex sargento, tirando pelo calor infernal. Ele olhou pro relógio “vinte para a meia noite, daqui a poço aquele filho da puta vai cagar!”
Ele estava deitado no chão, a arma apoiada em seu ombro, a mira já estava ajustada para setenta e cinco metros, aproximadamente, o cálculo estava certo, ele tinha certeza, na ccatinga ele podia acertar um lagarto Teju á centenas de metros de distância. Claro que o rifle era melhor, mas ele podia até acertar o olho dum pombo á setenta e cinco metros.
- Acho que vou dar um tiro bem na boca desse desgraçado – disse para suas plaquetas, com o olho direito fechado e o esquerdo próximo á lente – eu quero ver os dentes dele saindo pra fora da boca.
Um caminhão vinha passando na rua e estacionou, bem na frente da sua janela, tapando o seu ângulo de visão. “merda” pensou, olhou para o relógio. Faltavam quatro minutos para Paulo Lopes sair do quarto e ir ao banheiro. O caminhão ainda chacoalhava e Denis começou a torcer baixinho para que o caminhão saísse da frente. O caminhão parou de balançar e o motorista saiu de dentro, com uma prancheta, na lateral do caminhão tinha escrito: SAFE transporadora, mudando a vida das pessoas para melhor!
- Caminhão de mudança – disse ele novamente para as plaquetas – mas que hora pra uma mudança chegar.
Denis colocou a maleta do rifle no ombro e pulou da janela até o andar de baixo, rastejou pela área deserta da construção e encostou-se ao muro. Verificou o relógio: dois minutos.
Não podia passar de hoje, em alguns momentos iriam ligar para a garota do jornalismo e Caio e Marco estariam cada vez mais perto, mas isso tudo era um jogo, ele não poderia ser tão covarde que nem aqueles bastardos tinham sido com ele e com o coitado do Paulo Victor, ele daria uma chance de sobrevivência, mas seria mínima e não dependeria deles e sim da capacidade dos detetives. Seu plano havia saído melhor do que ele imaginava: um dos detetives estava abalado e praticamente fora do jogo e o melhor de tudo: Denis tinha a consciência limpa: não fora culpado pelos ferimentos na esposa e na filha do detetive e não fora obrigado á seqüestra-las também.
Averiguou se ninguém o via e subiu no caminhão, até o alto da carroceria que tinha mais de três metros. Ajoelhou-se e tirou o rifle da sacola rapidamente, calculou a diferença de dez metros que se encontrava o caminhão do seu antigo ponto de tiro e ajustou rapidamente a mira, Conferiu o relógio: faltava um minuto. Ele mirou e aguardo que Paulo Lopes saísse de seu quarto e entrasse no banheiro.
Cinco minutos e nada do cabo sair para ir ao banheiro, Denis estava ficando impaciente. Não haveria problemas em entrar na casa dele, como havia feito na casa do soldado Bruno, quem matara na noite anterior, mas o soldado não tinha mulher e nem filhos, morava só. Paulo tinha um filho de cinco anos, pequeno para a idade, se chamava Lucas, adorava futebol e era torcedor do Santos, como Denis. A mulher era uma secretária de um escritório de advocacia, chamava-se Alice e usava perfume da Yves Saint Laurent, e tudo isso Denis sabia depois de meses investigando a família de cada uma de suas vítimas.
Paulo Lopes saiu do banheiro, havia ido dois minutos mais cedo, mas não tinha problema.
- Aqui se faz – puxou o gatilho – aqui se paga.
E no momento que a bala entrou, Paulo Lopes estava morto antes que seu corpo soubesse, não houve barulho, a bala perfurou o vidro sem estourá-lo, a única coisa a estourar foram os miolos do militar que pintaram as paredes de um vermelho sangue, com pedaços de cérebro pelo corredor, tanto no chão, como nas paredes e até no teto.
Denis guardou o rifle na bolsa e arremessou-a para trás dos muros do prédio que estava em construção. A bolsa caiu fazendo ruído, mas não chamou a atenção de ninguém, ele se dirigiu á casa de Paulo Lopes e utilizando uma ferramenta especial abriu o portão que dava acesso ao jardim, estava próximo do fim.
Lucas saiu de seu quarto, não devia ter escondido três caixinhas de Nescauzinho embaixo da cama, agora estava apertado e tinha que sair do quarto pra ir ao banheiro.
Como toda criança, ele tinha medo do escuro, não gostava de ir á noite, com a casa toda apagada no banheiro, por mais que o ficasse á quatro metros do seu quarto, mas nesse meio caminho, algum espírito poderia assustá-lo.
Não dava mais pra segurar, acreditaria dessa vez em sua mãe que sempre dizia que ele podia ir que não encontraria nada, já tinha cinco anos e estava na hora de parar com o medo do escuro.
- Vamos no banheiro comigo, Robinho? – disse pro seu palhacinho e jurou que viu um aceno de cabeça dizendo que sim.
Ele saiu do quarto, tentando não fazer o menor ruído. Havia vestido as pantufas, mas se tivessem fantasmas, eles tinham ouvidos hiper-sensíveis, que nem do super-homem, pantufas iriam atrapalhar uma eventual corrida na volta para o quarto.
- Não existem fantasmas! Não existem fantasmas – dizia ele para si mesmo com os olhos fechados enquanto andava até o banheiro e então se esbarrou com um.
Um fantasma gigante, com músculos enormes, sem cabelos e que olhou para ele. Lucas não podia vê-lo direito, apenas o vulto, soube que o fantasma lhe olhava por causa de seus olhos puxados e prateados. Assim que ele fechou a porta do quarto, ele viu que o fantasma puxou uma faca, olhou para o garoto por dois segundos e tornou a guarda-la.
Lucas pensou em chorar, não notou seu pai aos pés do fantasma, não notou, as paredes do corredor pichadas de sangue e nem poderia, a única luz que entrava era a da janela, com um minúsculo furo que ficava ao fim do corredor.
O fantasma se ajoelhou, encontrando o tamanho do pequeno garoto que lhe olhava com um misto de espanto e terror.
- Qual o seu nome? – perguntou o fantasma.
- Luquinhas – respondeu ele, morrendo de medo, mas confortando-se na voz do fantasma. Talvez fosse que nem o Gasparzinho e fosse um fantasma bonzinho, começava a pensar ele. Nenhum de seus amiguinhos acreditaria na sua estória, mas ele não sentia mais tanto medo.
- Faz o seguinte Luquinhas – disse ele com a mão tocando os bracinhos esqueléticos do garoto – volta pro seu quarto e conta até cem, devagarinho, tudo bem?
O garoto assentiu.
- Você é um fantasminha camarada? – perguntou o garoto para a sombra, só podendo distinguir seus olhos prateados e reflexivos.
A sombra riu.
- Não! não!- disse ele sussurrando – eu caço fantasmas!
Lucas se virou e foi até seu quarto contar até cem. Não tinha mais vontade de ir ao banheiro, mijara-se nas calças no momento em que viu a faca do caça-fantasmas.
“Onde estaria o Geléia” pensava abraçado ao palhaço Robinho e então adormeceu.
Quando acordou, foi ao quarto da mãe perguntar se já podia beber água.
- O cara deve ter usado esse tempo pra arrastar o corpo do cabo para o meio da rua – disse Marco para Caio - estranho que ninguém o tenha visto.
- Vamos esperar o resultado da balística para saber da onde pode ter vindo o tiro.
Marco concordou. Luquinhas foi levado de volta ao sofá e ficou abraçado á Robinho até adormecer.
Alice, a mulher de Paulo Lopes fora levado para interrogatório, mas não conseguiu passar nada de útil aos detetives. Ela dissera que Paulo tivera sempre muitos amigos, era um homem divertido e amável com a família e todos ao seu redor, para ela, nada disso fazia sentido.
- Há quanto tempo estão juntos, senhora Lopes? – perguntou Marco.
- Cerca de quatro meses.
- Então o Lucas não é filho do Paulo?
- Não.
- Poderíamos perguntar de quem ele é filho? – disse Marco.
Ela olhou para os dois e deu de ombros.
- Eu não sei quem é o pai – respondeu ao dois policiais e olhou para baixo, tentando esconder seu embaraço.
Os dois se entreolharam.
- Eu engravidei num baile funk - disse ela por fim. E tudo explicou os olhos verdes e o cabelo de anjo do filho.