COPA DO MUNDO DA FIFA 2014: FESTA PRA QUEM?

Um amigo decidiu fazer uma festa na minha casa. Isso mesmo, decidiu e apenas me comunicou. Eu até poderia ter dito não, mas como ele era meu amigo e me deu argumentos convincentes, concordei.

Primeiro ele me disse que a festa seria uma grande oportunidade para eu fazer bons contatos, já que ele traria convidados muito ilustres. Depois me falou que eu iria ganhar muito com a realização da festa e que depois que ela acabasse eu iria contar muitos benefícios que ela me traria, que a festa deixaria um legado. Sendo assim, não tinha porque dizer não.

Em seguida ele me informou que precisaria gastar um pouco para deixar minha casa mais apresentável para os convidados. Realmente minha casa estava precisando mesmo de uma boa reforma, mas eu não estava disposto a gastar com isso, tinha outras prioridades. Mas ele me convenceu a fazer uma pequena reforma e entreguei meu cartão de crédito à ele, já que o valor que me informou eu dispunha.

Passados alguns dias começaram a chegar os materiais de construção e as pessoas que realizariam a obra. Era tanta gente que achei que a obra ficaria pronta no mesmo dia, porém ele me informou que a maioria eram pessoas técnicas que definiriam o que e como seriam feitas as coisas, mas que pedreiros mesmo eram apenas uns poucos. Eu nem vi o projeto e eles começaram a realizar as obras.

Depois de alguns meses minha casa havia ganho um lindo jardim com belas flores exóticas, uma fonte luminosa e piscina com uma cascata. E trocaram a fachada por uma muito bela mesmo. Logo a fachada que nunca havia me incomodado. Na verdade eu precisava mesmo era arrumar o banheiro que sempre entupia e exalava mau cheiro por toda a casa, trocar os azulejos da cozinha que estavam muito feios e engordurados, o sofá da sala que estava rasgado, minha cama quebrada, arrumar o telhado que contava com muitas goteiras. Fizeram também uma garagem para vários carros sendo que eu nem carro tenho. Durante as obras vi várias pessoas vindo dar opiniões de como queriam as coisas e alguns se mostraram até insatisfeitos com o andamento das obras. Percebi que tinham sotaques estranhos. Um dia perguntei aos pedreiros quando iniciariam as obras no restante da casa e me disseram que aquilo era tudo o que tinham para fazer e que seu trabalho estava encerrado em minha casa. Nesse mesmo dia recebi a fatura do meu cartão de crédito e quase tive uma síncope ao ver o valor da conta a pagar. Era quatro vezes mais do que meu amigo havia me falado e com aquele valor dava para ter feito uma nova casa para eu habitar. Não me pareceu que todo aquele dinheiro havia sido empregado ali. Apavorado fui procurar meu amigo, que com aquela conversa mansa de sempre me disse para não me preocupar, que o dinheiro seria todo reembolsado por ocasião da festa e que eu iria ainda lucrar com aquilo. Que havia sido apenas um empréstimo. Fiquei desconfiado e resignado mas aceitei o argumento do meu amigo.

Finalmente chegou o grande dia da festa, que seria no jardim. Naquele dia meu amigo me chamou de lado e me disse que as pessoas que viriam eram muito importantes, muito elegantes e que eu era muito simples, não tinha roupas adequadas para a ocasião e que não me sentiria bem no meio deles. Disse que eu poderia ficar do lado de dentro da nova fachada e acompanhar a festa pela janela que com certeza eu iria me divertir muito mais. Concordei e assim foi. Fiquei ali na janela vendo aquelas pessoas chegando com seus carrões, estacionando na minha nova garagem(que eu nem sabia o que iria fazer com ela depois da festa), admirando a fonte luminosa, a piscina com cascata e as lindas flores exóticas. Também ouvi pessoas elogiando minha casa(só a fachada, claro, que era só o que eles conseguiam ver). A festa estava muito animada, pessoas bonitas dançando, comendo e bebendo do bom e do melhor. Tinha saquê, vinhos italianos, portugueses, argentinos e chilenos. Uísques de todas as idades com rótulos de todas as cores, muito champagne, chás e cerveja, muita cerveja, mas servidas em copos de plástico(não entendi bem isso). Ah, e uma coisa que todos queriam experimentar era a caipirinha. Comeram muito bem e exigiram também feijoada. Eram pessoas bem excêntricas mesmo.

Terminada a festa todos foram embora, inclusive o meu amigo que não me apresentou a ninguém e nem obrigado veio me falar. Fui dormir e na manhã seguinte fui até o jardim, olhei em volta e vi o que sobrou da festa para mim: um caminhão de sujeira para remover, um jardim pisoteado e uma sensação estranha de que algo estava errado. Imediatamente procurei o meu amigo e lhe perguntei onde estavam os benefícios da festa para mim, quando eu os veria? Ele simplesmente me disse que aquilo era tudo. Que agora eu podia falar pra todo mundo que realizei uma festa para tais e tais pessoas importantes em minha nova e linda casa e todos ficariam maravilhados. Que os jornais iriam noticiar como eu havia feito uma linda festa e como era lindo o meu jardim. Isso por si já era um grande benefício. Esse era o legado que a festa me deixaria. Mas e a conta, como fica? Perguntei. E ouvi dos lábios do meu amigo que a conta eu deveria pagar, afinal, minha casa estava linda, eu tinha o mais belo jardim do bairro, uma garagem enorme, todos os meus vizinhos iriam sentir inveja de mim e se eu gastasse mais um pouco poderia reformá-la por completo. Foi embora e me deixou falando sozinho.

Olhei para minha casa e senti raiva de mim. Agora eu tinha um jardim com flores exóticas, uma piscina com cascata e uma fonte luminosa que só me dariam despesas que eu não conseguiria arcar. Uma garagem enorme para vários carros e eu sem carro nenhum. Uma bela fachada mas que ao passar pela porta já sentia o fedor do meu banheiro entupido, via meu sofá rasgado, a cama quebrada, a sujeira das paredes da minha cozinha e as poças d'água formadas pelas enormes goteiras do meu telhado. Ah, que raiva de mim por ter concordado com a festa que nem mesmo participei, só vi pela janela e ainda fiquei com uma enorme conta para pagar e minha casa continuou precisando de uma reforma geral. Ah, como fui burro!

E o meu amigo? Esse se foi sem me dar nenhuma satisfação.

Pois é. Sabe quem é esse amigo? O governo. Sabe o que é a minha casa? O Brasil. Sabe quem sou eu? O brasileiro. Sabe que festa é essa? A Copa do Mundo da Fifa. Sabe aquela janela? É a tv. Sabe pra quem foi a festa? Eu não sei, só sei que não foi pra mim. Foi pra você?

Esta parábola é um questionamento que eu acredito que todo brasileiro deveria fazer: a quem interessa essa Copa de 2014 no Brasil?

Ivan De Lima
Enviado por Ivan De Lima em 24/06/2013
Reeditado em 24/06/2013
Código do texto: T4356802
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