CRÔNICA – Ledo engano – 23.06.2013
 
 
CRÔNICA – Ledo engano – 23.06.2013
 

 
          Juro que pensei fossem essas manifestações de rua, que se espalharam por quase todo o país, um movimento voltado para moralizar esta nação tão sofrida e saqueada por políticos de todas as origens e partidos.
 
          Parece que errei redondamente. Pelo menos é o que salta aos olhos os assuntos que foram tratados na reunião de surpresa (?) que a Presidente da República fez com apenas quatro representantes da liderança do MPL (Movimento Passe Livre). Pelo que li na Internet, somente trataram de matéria alusiva ao transporte coletivo. Também não se ficou sabendo quem escolheu e quem nomeou esses quatro representantes, que me parecem pessoas ainda inexperientes para tratar com verdadeiras raposas da política brasileira. São eles: Matheus Nordon Preis, Mayara Longo Vivian, Rafael Bueno Macedo Siqueira e Marcelo Caio Nussenzweig Hotimsky.
 
          Na verdade, são três garotos de São Paulo e um do Rio de Janeiro, dois deles com nomes estrangeiros. São ainda novos. Um tem 29 anos, um 22 e dois apenas 19 aninhos, ou seja, ainda sequer perderam a catinga da urina, no bom sentido, para representar milhões de brasileiros nessa empreitada. Não que os jovens não tenham capacidade de luta, mas na hora de argumentar diante de autoridades detentoras do poder executivo, legislativo e judiciário, que me permitam a franqueza, deveriam ter mais representatividade.
 
          Onde fica a discussão sobre a segurança, a saúde, educação, moralidade administrativa, a garantia da constituição sobre decisões do STF e outros, o controle dos gastos públicos e outros severos problemas que afligem o povo de norte a sul do país?! Será que esses meninos teriam condições de discutir sobre tão importantes temas? Um professor e dois estudantes não representam, de forma alguma, a massa sofrida do povo nacional. Que sejam convocados pelo Senado para que possam dizer de suas pretensões em termos de Brasil, essa seria uma boa providência.
 
          Lamentavelmente, o encontro não foi transmitido pela televisão, nem aberta e nem fechada, deixando-nos carentes de notícias do que realmente falaram, salvo se o governo não tinha interesse em que a nação ficasse sabendo ao vivo das conversas de bastidores. Discordo, frontalmente, do que foi feito. Aliás, esse grupo é formado de 25 membros regulares, cujas idades vão de 16 a 36 anos. A única vantagem que vejo é que, segundo eles, não há intromissão de políticos, e alegam que o movimento gira em torno de três princípios básicos: federalismo, apartidarismo e horizontalidade. Esse terceiro item reflete-se na ausência de lideranças e hierarquia --um dos fatores que, segundo a polícia, tornou complicada a negociação nos momentos em que os atos saíram de controle.
 
          Penso que o mais correto seria o governo abrir a reunião para que o povo brasileiro soubesse do que lá ocorreu, mas que não se restringisse a apenas quatro representantes, mas sim um de cada estado da federação, pelo menos, tirando os baderneiros, é claro.
 
          Parece até que estou vendo esses corajosos jovens como personalidades e líderes políticos na próxima eleição, cada qual sendo candidato a uma cadeira, quer nas câmaras de vereadores, nas assembleias legislativas ou mesmo na Câmara Federal. E com toda a certeza sairão vitoriosos, ganharão com uma votação maciça, e os problemas que nós pensávamos seriam discutidos por eles empurrados com a barriga pra frente, sem qualquer solução, pois não é somente a passagem de ônibus que aflige a massa brasileira.

          Não há quem resista ao chamado do poder, nem mesmo pessoas sérias e honestas, pois a tentação é forte e a carne bastante fraca. Depois de entrar no palácio e tratar com gente grande, de participar pelo menos por um dia da mordomia da casa, certamente que o vírus da maldição se entranhará em seus corpos. Quem sabe não lhes ofereceram uma ficha para filiação ao PT, esse que não perde uma chance de sair ganhando em tudo!

          Com certeza esses pactos, projetos e resoluções enunciadas pela Presidente no Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão já foram prometidos há muito tempo, isso desde a campanha de Lula à Presidência da República. São coisas que demandam tempo, que precisam de votação nas duas casas do congresso nacional. Não foram, certamente, discutidas na reunião de araque com os quatro representantes do MPL. Penso que tal pronunciamento já estava escrito antes da reunião.


Fico por aqui. Sou só decepção.
Ansilgus
Em revisão.


ADENDO – Um amigo acaba de me falar que esses representantes podem ter sido alvo das potentes câmeras fotográficas da polícia e do governo, e pinçados para essa audiência com a doutora Dilma Rousseff e seus assessores.



Foto: INTERNET/FOLHA


25/06/2013 11:46 - gajocosta
Muito lúcida sua crônica, caríssimo Ansilgus. Penso que jamais saberemos que forças "ocultas" atuam em várias frentes. Que o poder corrompe, concordo plenamente. Que os desmandos políticos de décadas já deveriam ter sido repudiados publicamente pelo povo, ide. Apenas acho que o grande protesto que se espalhou pelo Brasil veio tarde demais, quando a corrupção já está firmemente encastelada no poder. Até que estes quatro pelo menos manifestaram alguma reação, e o povo aproveitou para deixar transbordar sua indignação contra a desatenção governamental diante de prioridades muito mais importantes, que se arrastam de governo a governo, em todas as esferas do poder. A ausência de uma liderança enfraquece qualquer reivindicação, pois o diálogo povo-governo fica truncado. Aguardo, como você, sem grandes esperanças de mudanças realmente qualitativas para nossa nação, que, a meu ver, apenas deu uma esperneada no berço esplêndido. Parabéns por sua acuidade e lucidez. Um grande abraço, José ("Quebram a dentadura, mas não largam a rapadura.")
Para o texto: CRÔNICA - Ledo engano - 23.06.2013 (T4356475)
 
ansilgus
Enviado por ansilgus em 24/06/2013
Reeditado em 25/06/2013
Código do texto: T4356475
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.