Instado por atraente questão, sobre como se dá a subida social dos chineses, lembrei-me de alguns dias passados na China e ousei em responder.
Recordei-me da guia turística em Beijing. Uma afável chinesa de 25 anos, calçada com chinelo. A tradicional sandália contrasta com a calça jeans e a blusa de malha, bem ocidentais - únicas ligações dela com o nosso mundo.
O rosto rechonchudo lembrava as jovens daqui. E, só. De resto, apenas uma simpática guia.
Guiava-nos, ou pelo menos tentava, falando o idioma inglês misturado com o espanhol. Saiu-se bem, embora com neologismos, tais como, trotoruga. Nem tortuga (espanhol) tampouco turtle (bretão). Mas, entendemos. Era tartaruga mesmo. Até porque, quando solta aquela palavra, havia à nossa frente um réptil quelônio esculpido em pedra. Uma das gigantescas sentinelas na entrada da Cidade Proibida, onde viveram os últimos imperadores. Nossa condutora no país de Mao Tsé-Tung, exausta de caminhar, apoiou-se na carapaça da escultura, enquanto dava razões para a imagem estar ali.
As nadadeiras, ao invés de patas, confirmavam ser tartaruga. "Nem jabuti, nem cágado; tartaruga. Vejam as nadadeiras". Assim falou o meu cunhado, com riso orgulhoso. Acreditei, naturalista, ele conhece muita coisa da natureza.
O serviço turístico na China é monopolizado pelo governo. E governo lá é o Partido Comunista Chinês, no poder desde 1949. Assim, nosso motorista era um servidor do governo, o veículo tinha chapa branca e, evidente, nossa guia, uma emissária do PCC.
Com isso, sem embuste, fomos monitorados o tempo todo. Fora do hotel, só saíamos autorizados, ou seja, com a guia e o motorista. Desse modo, a estrutura de espionagem deles funcionou com esmero.
Por outro lado, nos sentimos importantes. Os próprios Bonds. Ou, os exatos Jecas-tatú Bonds, agentes secretos e guerreiros da A la Ursa infiltrados no continente do Sol Nascente, dentro da mais populosa nação do mundo. Criamos até um plano. Tudo para colaborar com a arapongagem deles. Nosso objetivo era derrubar os enigmas da bomba atômica ching-ling. Usamos então evasivas ao longo do dia e da noite.
Fomos levados pela dupla de espiões, disfarçados em guia e motorista, conforme descobrimos, para subir a Grande Muralha. Assistimos teatro de malabaristas. Passeamos nos palácios, jardins e subterrâneos dos túmulos de imperadores das dinastias Tang, Sung e Ming. Um dia inteiro para percorrer uma mínima parte da Cidade Proibida. Degustamos pato laqueado, o néctar dos deuses. Comemos de tudo, até algo muito igual a escorpião frito. É possível ter sido esse o menu... Blargh!
Porém, os assuntos com os chineses restringiam-se ao turismo. Ao super-bem-estruturado trade turístico. Porém, nesse caso, sem dúvida, os passeios foram para nos manter entretidos. Desviaram-nos do mister de descobrir os dados do artefato explosivo de alta potência. Desconfiávamos, com certo embaraço, que pelo menos enquanto o Partidão (é, lá também o chamam assim), não soubesse exatamente o nosso alvo, nossas carnes não sofreriam torturas e nossas vidas estariam à salvo. Nada de informação. Zero de intimidade. Nenhum cruzamento cultural. Exemplo disso: não almoçávamos na mesma mesa e nem mesmo na área do restaurante selecionada para a guia e o motorista. Sentávamos isolados. Longe da gente da terra e dos outros turistas. Ficávamos sós. Perdidos, sem falar nenhum dialeto. Não-identificados, os alimentos nos eram servidos por silenciosos garçons. Carne de vaca? Frango? Cobra? Cérebro de macaco? Escorpião? Tenho certeza que aquilo era escorpião... Blargh!
Do motorista, então, distávamos quilômetros, embora no mesmo furgão. Ele só falava mandarim. Conversa com transeuntes, mera perda de tempo. Um sorriso, talvez nos fosse endereçado pelo maitre, talvez.
Contudo, os chineses também possuem um jeitinho especial para resolver problemas. Assim, nossa guia, numa ocasião, quando o motorista se encontrava longe do carro, arriscou dialogar apartado comigo, a sós, num verdadeiro jeitinho brasileiro...Ooops! jeitinho chinês.
Contou-me em sussurro ser casada com um operário. Ele estava em vias de vir trabalhar no Brasil. O marido, segundo apurei, também era agente secreto e estava para vir a pindorama a fim de montar uma indústria de televisores de LCD para concorrer com a Gradiente. A nossa fábrica engatinhava no assunto, enquanto a deles já havia produzido mais de 200 milhões de televisores sob aquela tecnologia. Pobre indústria nacional, pensei comigo.
Podia com ele vir morar no Brasil. Todavia, as chinesas valorizam a carreira profissional e não trocam por um casamento. Ademais, o pouco conhecimento sobre o nosso país a assustava. Por isso, arriscava em conversar às escondidas. Desejava saber às claras algo mais sobre o paraíso tropical. Igualmente, mais sobre a cultura ocidental em geral.
Como estávamos no meio da imensidão da Tianammen Square - nunca vi praça tão grande - cujo nome mais conhecido entre nós é Praça da Paz Celestial, onde ninguém podia nos ouvir, não hesitei em fazer uma pequena chantagem, fruto quiçá do meu faro de noviço Double-seven. Perdoei-me Deus - e Buda - mas eu chantageei. Era necessário. Uma pequena extorsão cultural, sempre vale a pena.
Disse-lhe, que desejava fotografar o local onde no protesto de 1989, na luta por uma reforma democrática dentre outras centenas de reivindicações, um estudante havia bravamente ficado no meio da rua, de um lado para o outro, impedindo a evolução de uma fileira de tanques de guerra os quais pretendiam dissipar da praça os manifestantes (em greve de fome).
Logrei então conhecimento de algo inolvidável. Explico: minha amiga disse que não poderia nunca me mostrar o local. Não que o lugar não existisse. Mas, porque a imagem, difundida no mundo todo, ícone da resistência captada pela reportagem do The New York Times, jamais foi divulgada no território chinês. Por isso, a quase totalidade de mais de um bilhão de chineses jamais pensou ter havido aquela revolta contra o regime ditatorial, muito menos o massacre ocorrido no dia anteiror ao ato de bravura e heroísmo antes narrado, pois, na mídia vermelha, divulgou-se apenas - sem aquela imagem é claro - ter sido a agitação um desorganizado e despropositado distúrbio juvenil, considerado pela grande maioria do povo como uma irresponsabilidade estudantil, e só.
Soube ainda naquele momento que o pai de Angelina, assim se chamava em português a chinesinha, depois de quarenta anos servindo ao Governo, aposentou-se e, como prêmio, ganhou um lar. Foi-lhe dado pelo Partido Comunista Chinês um apartamento de quarto, sala, cozinha e banheiro, para o casal de idosos terminar os últimos anos de vida em um local diferente daquele existente por trás dos milhares de paredões espalhados pelos bairros de Beijing.
Ó bela Beijing, me diz o que há por detrás de tuas muralhas? ...Palafitas? ...Mocambos? ...Favelas?
Deduz-se, pelo que se vê de fora ou através dos bambus, ali há grande pobreza. E ali moram milhões de pequineses. Donde se conclui: há centenas de milhões de carências ali guardadas a oito (lá é número místico) chaves. Entrementes, os ocidentais não possuem autorização para saber como vivem. Nem naqueles dias em que lá estivemos, nem na Beijing Olímpica, onde tentaram esconder isso tudo... Nem nunca!
Naquele ponto da conversa, com imenso pesar, assegurei-a, ser a violência o maior perigo do Brasil. Resta-me indeslembrável seu rosto ruborizado e o olhar espantado quando falei dos latrocínios. Tais homicídios, com objetivo de roubo, ocorridos aos montes no Brasil e absolutamente normais para os nossos padrões é algo impossível de ser assimilado pela mente chinesa.
Porém, por outro lado, para mim, inassimilável é a situação vexatória em que dezenas de milhões de chineses vivem. Sob forte repressão. Sob um cortinado de muros. Debaixo da escuridão da ignorância, mesmo ante a monástica denúncia de Sua Santidade o Dalai Lama. Isso tudo, já depois da chegada do milagre (não sei se no budismo há milagres) do Capitalismo na maior cidade chinesa e da Pepsi na região do Tibet.
A melhora de vida ou ascensão social, daqueles milhões de servidores estatais, a vida toda explorados pelo poder do Partidão, não passa de uma quitinete, ganha no fim da vida, só para esperar com uma diminuta dignidade a chegada da morte.
Ficamos escandalizados, um olhando para o outro, silenciosos como bons agentes secretos pensando: “É lá e lô: É assim que acontece no Brasil... É assim que acontece na China.”
Recordei-me da guia turística em Beijing. Uma afável chinesa de 25 anos, calçada com chinelo. A tradicional sandália contrasta com a calça jeans e a blusa de malha, bem ocidentais - únicas ligações dela com o nosso mundo.
O rosto rechonchudo lembrava as jovens daqui. E, só. De resto, apenas uma simpática guia.
Guiava-nos, ou pelo menos tentava, falando o idioma inglês misturado com o espanhol. Saiu-se bem, embora com neologismos, tais como, trotoruga. Nem tortuga (espanhol) tampouco turtle (bretão). Mas, entendemos. Era tartaruga mesmo. Até porque, quando solta aquela palavra, havia à nossa frente um réptil quelônio esculpido em pedra. Uma das gigantescas sentinelas na entrada da Cidade Proibida, onde viveram os últimos imperadores. Nossa condutora no país de Mao Tsé-Tung, exausta de caminhar, apoiou-se na carapaça da escultura, enquanto dava razões para a imagem estar ali.
As nadadeiras, ao invés de patas, confirmavam ser tartaruga. "Nem jabuti, nem cágado; tartaruga. Vejam as nadadeiras". Assim falou o meu cunhado, com riso orgulhoso. Acreditei, naturalista, ele conhece muita coisa da natureza.
O serviço turístico na China é monopolizado pelo governo. E governo lá é o Partido Comunista Chinês, no poder desde 1949. Assim, nosso motorista era um servidor do governo, o veículo tinha chapa branca e, evidente, nossa guia, uma emissária do PCC.
Com isso, sem embuste, fomos monitorados o tempo todo. Fora do hotel, só saíamos autorizados, ou seja, com a guia e o motorista. Desse modo, a estrutura de espionagem deles funcionou com esmero.
Por outro lado, nos sentimos importantes. Os próprios Bonds. Ou, os exatos Jecas-tatú Bonds, agentes secretos e guerreiros da A la Ursa infiltrados no continente do Sol Nascente, dentro da mais populosa nação do mundo. Criamos até um plano. Tudo para colaborar com a arapongagem deles. Nosso objetivo era derrubar os enigmas da bomba atômica ching-ling. Usamos então evasivas ao longo do dia e da noite.
Fomos levados pela dupla de espiões, disfarçados em guia e motorista, conforme descobrimos, para subir a Grande Muralha. Assistimos teatro de malabaristas. Passeamos nos palácios, jardins e subterrâneos dos túmulos de imperadores das dinastias Tang, Sung e Ming. Um dia inteiro para percorrer uma mínima parte da Cidade Proibida. Degustamos pato laqueado, o néctar dos deuses. Comemos de tudo, até algo muito igual a escorpião frito. É possível ter sido esse o menu... Blargh!
Porém, os assuntos com os chineses restringiam-se ao turismo. Ao super-bem-estruturado trade turístico. Porém, nesse caso, sem dúvida, os passeios foram para nos manter entretidos. Desviaram-nos do mister de descobrir os dados do artefato explosivo de alta potência. Desconfiávamos, com certo embaraço, que pelo menos enquanto o Partidão (é, lá também o chamam assim), não soubesse exatamente o nosso alvo, nossas carnes não sofreriam torturas e nossas vidas estariam à salvo. Nada de informação. Zero de intimidade. Nenhum cruzamento cultural. Exemplo disso: não almoçávamos na mesma mesa e nem mesmo na área do restaurante selecionada para a guia e o motorista. Sentávamos isolados. Longe da gente da terra e dos outros turistas. Ficávamos sós. Perdidos, sem falar nenhum dialeto. Não-identificados, os alimentos nos eram servidos por silenciosos garçons. Carne de vaca? Frango? Cobra? Cérebro de macaco? Escorpião? Tenho certeza que aquilo era escorpião... Blargh!
Do motorista, então, distávamos quilômetros, embora no mesmo furgão. Ele só falava mandarim. Conversa com transeuntes, mera perda de tempo. Um sorriso, talvez nos fosse endereçado pelo maitre, talvez.
Contudo, os chineses também possuem um jeitinho especial para resolver problemas. Assim, nossa guia, numa ocasião, quando o motorista se encontrava longe do carro, arriscou dialogar apartado comigo, a sós, num verdadeiro jeitinho brasileiro...Ooops! jeitinho chinês.
Contou-me em sussurro ser casada com um operário. Ele estava em vias de vir trabalhar no Brasil. O marido, segundo apurei, também era agente secreto e estava para vir a pindorama a fim de montar uma indústria de televisores de LCD para concorrer com a Gradiente. A nossa fábrica engatinhava no assunto, enquanto a deles já havia produzido mais de 200 milhões de televisores sob aquela tecnologia. Pobre indústria nacional, pensei comigo.
Podia com ele vir morar no Brasil. Todavia, as chinesas valorizam a carreira profissional e não trocam por um casamento. Ademais, o pouco conhecimento sobre o nosso país a assustava. Por isso, arriscava em conversar às escondidas. Desejava saber às claras algo mais sobre o paraíso tropical. Igualmente, mais sobre a cultura ocidental em geral.
Como estávamos no meio da imensidão da Tianammen Square - nunca vi praça tão grande - cujo nome mais conhecido entre nós é Praça da Paz Celestial, onde ninguém podia nos ouvir, não hesitei em fazer uma pequena chantagem, fruto quiçá do meu faro de noviço Double-seven. Perdoei-me Deus - e Buda - mas eu chantageei. Era necessário. Uma pequena extorsão cultural, sempre vale a pena.
Disse-lhe, que desejava fotografar o local onde no protesto de 1989, na luta por uma reforma democrática dentre outras centenas de reivindicações, um estudante havia bravamente ficado no meio da rua, de um lado para o outro, impedindo a evolução de uma fileira de tanques de guerra os quais pretendiam dissipar da praça os manifestantes (em greve de fome).
Logrei então conhecimento de algo inolvidável. Explico: minha amiga disse que não poderia nunca me mostrar o local. Não que o lugar não existisse. Mas, porque a imagem, difundida no mundo todo, ícone da resistência captada pela reportagem do The New York Times, jamais foi divulgada no território chinês. Por isso, a quase totalidade de mais de um bilhão de chineses jamais pensou ter havido aquela revolta contra o regime ditatorial, muito menos o massacre ocorrido no dia anteiror ao ato de bravura e heroísmo antes narrado, pois, na mídia vermelha, divulgou-se apenas - sem aquela imagem é claro - ter sido a agitação um desorganizado e despropositado distúrbio juvenil, considerado pela grande maioria do povo como uma irresponsabilidade estudantil, e só.
Soube ainda naquele momento que o pai de Angelina, assim se chamava em português a chinesinha, depois de quarenta anos servindo ao Governo, aposentou-se e, como prêmio, ganhou um lar. Foi-lhe dado pelo Partido Comunista Chinês um apartamento de quarto, sala, cozinha e banheiro, para o casal de idosos terminar os últimos anos de vida em um local diferente daquele existente por trás dos milhares de paredões espalhados pelos bairros de Beijing.
Ó bela Beijing, me diz o que há por detrás de tuas muralhas? ...Palafitas? ...Mocambos? ...Favelas?
Deduz-se, pelo que se vê de fora ou através dos bambus, ali há grande pobreza. E ali moram milhões de pequineses. Donde se conclui: há centenas de milhões de carências ali guardadas a oito (lá é número místico) chaves. Entrementes, os ocidentais não possuem autorização para saber como vivem. Nem naqueles dias em que lá estivemos, nem na Beijing Olímpica, onde tentaram esconder isso tudo... Nem nunca!
Naquele ponto da conversa, com imenso pesar, assegurei-a, ser a violência o maior perigo do Brasil. Resta-me indeslembrável seu rosto ruborizado e o olhar espantado quando falei dos latrocínios. Tais homicídios, com objetivo de roubo, ocorridos aos montes no Brasil e absolutamente normais para os nossos padrões é algo impossível de ser assimilado pela mente chinesa.
Porém, por outro lado, para mim, inassimilável é a situação vexatória em que dezenas de milhões de chineses vivem. Sob forte repressão. Sob um cortinado de muros. Debaixo da escuridão da ignorância, mesmo ante a monástica denúncia de Sua Santidade o Dalai Lama. Isso tudo, já depois da chegada do milagre (não sei se no budismo há milagres) do Capitalismo na maior cidade chinesa e da Pepsi na região do Tibet.
A melhora de vida ou ascensão social, daqueles milhões de servidores estatais, a vida toda explorados pelo poder do Partidão, não passa de uma quitinete, ganha no fim da vida, só para esperar com uma diminuta dignidade a chegada da morte.
Ficamos escandalizados, um olhando para o outro, silenciosos como bons agentes secretos pensando: “É lá e lô: É assim que acontece no Brasil... É assim que acontece na China.”