As correntes de Luciana

Luciana é a filha caçula de uma leva de cinco. Para seu azar, nasceu no final dos anos setenta, ou seja, não deu para viver o liberalismo sexual dos anos oitenta no Brasil, resquícios da era hippie dos USA, afinal o que eles fazem nós fazemos.

Os três irmãos homens casaram-se, separaram-se e casaram-se de novo. A irmã engravidou em oitenta e cinco com dezessete anos. Foi um escândalo na família, precisou interromper os estudos e casar-se com o pai da criança.

Os irmãos e os pais de Lú sempre souberam que ela sim, não decepcionaria. Depositaram tudo nela, seus sonhos, suas frustrações e até suas economias. O mais velho e o pai revezavam-se para pagar a faculdade da moça, mesmo ela tendo passado num vestibular público, mas daí sair de casa, de perto deles, nem pensar! Lú era obediente, escutava e acatava, escolheu o curso de Direito na única universidade da cidade. Todos ficaram felizes.

Lú não tinha tempo para arranjar namorado. Depois que o pai faleceu, sobraram ela, a mãe com sessenta e cinco anos, o cachorro e a casa. No início todos estiveram presentes, mas depois de um tempinho seguiram suas vidas e Lú que já estava beirando os quarenta ainda não tinha conseguido namorar de verdade. Foi aí que começaram, ou pelo menos se formalizaram-se as cobranças em cima da moça. Ela mesma se cobrava.

A mãe não dava o menor trabalho, era saudável. Tinha a pensão do falecido e a aposentadoria de secretária, mesmo assim Lú percebia o olhar de cachorro pidão quando o assunto “morar sozinha” surgia durante a novela. A verdade é que não fazia questão de ser super moderna e totalmente independente, mas sentia as correntes de boa filha, da igreja e das responsabilidades sociais presas em seus tornozelos. O pior é que quanto mais vitórias conquistava maiores eram as correntes, pois seria preciso um companheiro á altura.

Acontece que para cada mulher bonita, inteligente, graduada, bem sucedida profissionalmente e quase quarentona existem dez quarentões nada bonitos, gays, casados ou divorciados no Brasil. Namorar alguém mais novo era até tentador, na verdade era o que ela queria, mas o que iam dizer. Coitada, vai levar chifre! Xiii... Vai sustentar! Homem já é mais imaturo que mulher, imagina mais novo então! Ela fingia não ouvir nem dar bola.

Um dia, na casa de uma amiga, Lú conheceu um rapaz dez anos mais novo. Começaram a sair e a namorar. Não havia problema, ele tinha um emprego e era muito carinhoso com ela. Além disso, causava inveja nas amigas, pois era lindo.

O namoro ia bem até o moço contar a ela que ficara desempregado e que precisaria de uma ajudinha para quitar algumas dívidas.

Eles se gostavam de verdade, era nítido. Ele propôs a ela que dividissem um apartamento maior que o que ele alugava antes de se casarem, pois ainda não tinha conseguido um emprego. Ela não aceitou, mesmo assim Lú começou a inventar dormidas na casa das amigas, viagens de fim de semana para a família que sabia, mas não admitia que ela estava passando os finais de semana trancafiada no a.p. do moço. Claro que antes de ir para lá ela passava no supermercado. Chegou a pagar alguns alugueis, pois a cada dia a situação dele piorava em compensação a paixão dos dois aumentava. Ela nunca tinha sentido tanta paixão, intimidade e certeza ao lado de alguém. Ele, coitado! Sabia que aquilo não duraria muito se não conseguisse um emprego rápido.

Seis meses naquela situação e Lú lutando com seus demônios colocou um fim no namoro. Nunca tinha sido tão dura consigo mesma como naquela tarde de domingo em que ele cadastrava seu currículo em mais um site de recolocação profissional.

O moço ouviu tudo que ela disse sobre sonhos, idade, dinheiro. Ele sabia que ela não queria deixá-lo, mas não teve coragem de pedir-lhe mais paciência. Lú foi embora triste e com raiva de si mesma falando baixinho: Dois covardes!

Quando Lú chegou em casa encontrou sentado no sofá um moço charmosissimo, assistindo futebol. Tinha no máximo uns trinta e oito. Ficou parada uns instantes olhando-o sem dizer nada. Ele se levantou para cumprimentá-la e antes de abrir a boca a mãe de Lú aparece com um sorriso sem graça e diz: Filha, esse é o Caetano, meu namorado.

Glauce Leite
Enviado por Glauce Leite em 24/06/2013
Código do texto: T4355759
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