Manifestos na paz e na violência

Muitos pensavam que a questão era dos R$ 0,20 de aumento nas passagens, e pode ser até a motivação original desse movimento nacional de manifestações. Mas as pessoas estão claramente requerendo uma gestão pública limpa, honesta, clara e eficiente dos recursos públicos (pagamos impostos e queremos qualidade e volume em serviços públicos e melhorias das condições e qualidade de vida social e coletiva) e isso quer dizer respeito a sociedade e satisfação da credibilidade e expectativa, por mais débeis que na realidade essas sejam, depositadas no que há de oferta de políticos e ideologias partidárias para ocupar e liderar as funções públicas estatais executivas e legislativas. As pessoas parecem ter tomado a noção de que os impostos pagos não são só a receita do Estado, são nossos recursos e para os quais abrimos mão de 5 (cinco) meses de salários por ano para repassar ao governo estes impostos e, no caso, histórico, não nos devolvem em serviços públicos o mínimo que esses recursos, analisados de forma tecnicamente viável nas suas possibilidades e probabilidades, poderiam nos oferecer efetivamente em qualidade, volume e abrangência populacional. Queremos que o Governo trabalhe e as coisas tomem seu lugar de acordo com a ordem e integridade. E com as prioridades que satisfaçam as necessidades sociais. Porque creio que todos nós sentimos na pele. Está insuportável ver tanto desprezo, e até cinismo, dos atuais gestores públicos e demais políticos com a situação da população e do País. Enquanto muitos fazem da área pública e da política um meio de vida para interesses pessoais, particulares e de grupos. Está insuportável pagar um custo de vida da magnitude dos países mais desenvolvidos desse planeta - como no caso vem sendo veiculado nos jornais que o Brasil já supera o custo de vida dos EUA - e recebermos em troca serviços públicos, e até privados, de países cujo nível de desenvolvimento beira os pobres e desorganizados de nosso mundo. Ou seja um da cá de impostos em nível de países desenvolvidos e um toma lá de nível baixíssimo, nos piores níveis de qualidade dos países mais pobres e em desenvolvimento. Essa sensação (e como na sensação térmica é sempre maior que o real, na medida) de que pagamos um custo de vida (em escala crescente) de uma Dinamarca e recebemos uma qualidade de vida (saúde, segurança, educação e bens e serviços) beirando Haiti, Bangladesh e Ruanda (com a devida licença poética). Isso nos deixa indignados. E é para qualquer um ficar indignado mesmo.

Tanto é verdade que o que vemos hoje são as várias camadas da sociedade - de classes trabalhistas, classes socioeconômicas, faixa etária, nível cultural e de educação, etc – misturados com uma retórica em comum que é pelas mudanças do quadro político, público, econômico e social. Em pró de serviços públicos de qualidade. Sem ainda ter chegado em um teor mais específico e quente sobre os detalhes, de forma mais pragmática, das reformas. E creio que isso irá acontecer, pois vejo que esse movimento ainda se desdobrará ao longo do tempo. Até chegar em seu ponto crítico nas próximas eleições (será de fato?).

E por falar em classes. Quanto ao vandalismo, sou piamente contra a violência. De todos os tipos e principalmente contra a violência sorrateira, silenciosa e tácita da corrupção. Porque quem tem vivência em todas as camadas da população sabe o quanto afeta as pessoas (estou falando de gente como todos nós) a má alocação dos recursos públicos e a privação dos direitos do cidadão dos serviços públicos básicos. E fundamentalmente quero dizer que há muitos problemas de saúde simplesmente porque as comunidades e pessoas que vivem em bolsões de pobreza não tem acesso sequer a um adequado saneamento básico, alimentação e um trato verdadeiramente humano dos seus problemas sociais. E quando olhamos pela TV, ou ao vivo, pessoas que aderem a depredação do patrimônio público, para qualquer um que tenha sensibilidade, há de se enxergar que muitas dessas pessoas, marginalizadas ao longo da vida e talvez ao longo de suas gerações passadas, não têm outros recursos, frente a sua raiva e indignação, e no calor do momento, se não protestar através da bandalheira. O que quero dizer que foram tantas camadas aderindo ao movimento, que essa adesão chegou às camadas mais revoltadas e despreparadas. Fazendo-as no decorrer do movimento sucumbir nas suas próprias condições e expressas em seus sentimentos e emoções mais primitivos e levando ao confronto, saques e depredação das cidades. O que deve ser tratado pelas autoridades, claro. Mas antes de serem re-marginalizados, e até virarem os bodes expiatórios dessa história atual, aproveitando-se as instâncias políticas para desviar a atenção dos protestos e requisições mais autênticas da população, devemos entender que essa “revolta” se faz em vários níveis. Integrando da manifestação pacífica e de certa forma organizada, com a maioria das pessoas, chegando até a população mais revoltada, carente e esquecida pelo Estado. Esta última, onde os serviços públicos quase não chegam (quem dirá as benesses do mercado!), nem em quantidade nem em qualidade, encontram uma forma senão na barbárie e na destruição para expressar o que sentem. O que está em seus corações. Como um grito dos mais revoltados e desesperados que na falta da capacidade de se organizar e requerer, partem para a destruição, saques e violência. Isso ninguém procura entender, que essas pessoas podem ser o resultado dos anos e mais anos de descaso das instância públicas e da ausência das políticas públicas com relação as suas necessidades básicas e demais direitos. E talvez sejam as que mais precisam do trabalho do Estado para ser reerguerem como cidadãos, e talvez se juntar a maioria que pratica a manifestação legítima e pacífica e se incluir na sociedade.

Não é só a reforma política que devemos engendrar no Brasil. Mas também a reforma do Judiciário. A reforma dos sistemas e aplicações penais. A reforma dos sistemas tecnocratas que viabilizam a má alocação de recursos, a má aplicação e gerência dos recursos e principalmente a corrupção. Pelo menos essas três reformas têm que estar integradas. Mas principalmente necessitamos da reforma moral das lideranças desse país. Porque não adianta formularmos e implantarmos os melhores sistemas e políticas sem o comprometimento íntegro das pessoas para melhorar esse País. E isso inclui todas as camadas da população. E hoje eu enxergo e sinto, e isso ouvindo desde diretor de empresa até a profissional que limpa minha casa, que a reforma moral da sociedade civil que saiu às ruas parece ter começado. Ninguém quer ficar calado frente ao que se passa. E as ruas lotadas demonstram isso. Cabe a todos nos engajarmos e cuidarmos para que isso ocorra de forma organizada e pragmática, e principalmente democrática, saindo do discurso e do papel e impactando efetivamente na realidade e em nossas vidas.

Alexander Herzog
Enviado por Alexander Herzog em 22/06/2013
Reeditado em 23/06/2013
Código do texto: T4353469
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