UMA AVENIDA CHAMADA BRASIL

Há uma voz que ecoa pelas principais ruas do Brasil. Uma voz absurda que ainda não encontrou uma rima adequada nem pede para ser chamada de hino. Ela é gritada. Arrojada. Berrada. É uma voz que pode ser ouvida no Centro do Rio. Nas avenidas de São Paulo. Nas entranhas de Brasília. Mas também nos rincões pra lá do fim do mundo. Nas centenas de Nápolis e Lândias do País. Não se pretende canção: é soco, vômito.

Confesso, abestalhado, que não consigo entender exatamente o tamanho do protesto. Não nos foi fornecido nenhum recurso que possa medir a insatisfação dos brasileiros. Sei que não se reclama apenas centavos de uma tarifa de ônibus. Sei que não se reclama apenas por mais tomate na salada.

É uma estranha confraria de mutilados. São mortos-vivos, zumbis que aportaram de alguma Walking Dead imaginária. Em todos falta um pedaço. Mutilados de justiça, do ilusionismo político, das leis gagas escritas por mãos pagas.

Reúnem-se e marcham. É uma estranha romaria de exilados. Exilados em sua própria pátria. Exilados do direito de amar e não terem seu amor demonizado. Exilados do direito de comer o pão, fruto do trigo que ajudou a colher. Exilados do direito de ter o mesmo peso que um senhor feudal perante os olhos cegos da Justiça. Exilados do direito de acessar o paraíso prometido em palanques.

São alguns milhares de brasileiros. E milhões de abrasileirados. É um Brasil produzido, maquiado, engomado para desfilar nos panteões do mundo. Frequentador de salões. Agraciado com medalhas e comendas. Bem ranqueado. E sob a pele, sob a fina camada há o Brasil real, fétido, estrangulado, que rasteja, que peregrina. Um Brasil que se esqueceu de acontecer.

Súditos de um reinado que constrói templos para os deuses do futebol brilharem. Súditos que se descobrem plebeus miseráveis quando hospitais, escolas, moradias e outros senões são sacrificados em altares imundos.

É como se de repente, não mais que de repente, o povo do Brasil deixasse de acreditar em seus macunaímas, seus heróis sem nenhum caráter. Talvez seja um surto. Talvez seja uma febre que chega, assola e vai embora. Talvez demore um pouco mais. Não sei. Mas sei que vi estudantes caminhando pelas ruas, empunhando cartazes pedindo justiça social, refutando a roubalheira, idealizando um país mais bonito. Vi jovens de ontem se encontrando com jovens de hoje e lutando pelos jovens de amanhã. Vi um país colorido por peles de todos os tons.

É como se a soma de todos os nossos medos se transformasse na semente do amanhã que queremos. É como se tivéssemos aprendido finalmente que não é pecado sonhar com dias melhores. É como se tivéssemos descoberto que somos os patrões e não os funcionários.

Não sei até onde vai essa marcha. Não conheço todos os grãos que serão cobrados. Não sei o que vai acontecer quando todos guardarem suas bandeiras e vir alguém e varrer das ruas os papéis velhos e amarelados pelo sol. Como não há qualquer certeza que me convença, permito-me sonhar que todos saudarão, com loas, o dia em que milhões de brasileiros resolveram sair às ruas. E que a rua decidiu não mais sair deles.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 22/06/2013
Reeditado em 22/06/2013
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