Gabarito

Gabarito

Ainda quero conhecer Cuba. Pensei ao circular a resposta da última questão e logo em seguida folhear as páginas até o gabarito. Acompanhei com os olhos meu dedo indicador que pela centésima vez no dia percorria aquela mesma página.

Procurava a questão 54 e antes mesmo de achá-la pensei mais uma vez em Cuba. Quantos anos terei quando for a Cuba? Voltei meus olhos para a página e não me recordava mais o número da tal questão. Retornei ao capítulo, lembrei das fotos de Cuba que vi na revista que me presentei na hora do almoço. Pág 54, item 12, letra c.

Mais uma vez acompanhava meu dedo percorrer a página. Desviei meus olhos para o canto superior direito do livro e vi uma mancha enorme de café. Lembrei do exato momento que a fiz. Rio de Janeiro, botafogo, quando uma pomba pousou no beiral da janela e me assustou. A mancha comemorava um ano e meio de existência. Sempre fujo dessa conta, mas dessa vez ela foi mais rápida que o boicote. Um ano e meio de mancha, estudos, rio de janeiro.

Qual era mesmo o número da questão... Fechei o livro. Macaca velha. Eu já sabia que quando vou ao gabarito e não lembro a questão é hora de parar. Fui insistir e acabei vendo a porra da mancha de café que fazia aniversário. Fechei o livro. Olhei ao redor. Já contei o número de vitrais, o número de janelas, o número de sofás. Já decorei a localização dos lixos e dos vasos de plantas. Já sei exatamente o palavrão que está escrito na plaquetinha “faça silêncio” da minha mesa e a localização do diabinho que desenharam nela. Coloquei os pés sobre a outra cadeira e olhei mais uma vez ao redor. São sempre as mesmas pessoas. No sofá à esquerda fica um garoto que estuda para ser juiz. Ele sempre vem com uma pilha de livros e grita ao telefone. Toda sexta ele sai de lá e vai beber uma cerveja no boteco da frente. Na mesa ao lado do sofá senta uma menina que nunca esboça nem um tipo de reação. Já aconteceu de apagar a luz da biblioteca toda e ela nem se mexeu. Logo na mesa ao lado senta três coleguinhas e eu. Os três são estudantes de medicina , ficam irritados com qualquer risada e fazem alongamentos no intervalo do estudo. E eu...eu penso esse tipo de coisa. Na mesa ao lado tem uma menina que também pensa esse tipo de coisa. Sempre trocamos sorrisos. É como se a gente se falasse pelo sorriso: “- mais um pouco e não precisaremos mais vir aqui”. Nessa mesma mesa senta um cara que faz doutorado e sempre está com o cofrinho para fora. E lá na última mesa, senta o meu ídolo, “o guerreiro”. Nunca vi ele chegar ou sair, ele sempre está lá..Esses dias na ida ao banheiro dei uma esticada de olhos e pude ver o livro de concursos da Receita Federal. Confesso que tenho inveja dele, o cara é guerreiro mesmo. Não leva água, nem barra de nutry, nem cochila. É ele, os livros, uma borracha e um lápis. É é também o único amarelo dali que tem namorada.

Esqueci de contar. Todos nós ali já estamos amarelos.. Como eu sei que é o único que namora? É fácil saber que os outros amarelos e eu somos solteiros. Amarela, solteira, mancha de café. Concentra nega, concentra, que você ainda vai pra Cuba. Página 54, item 12, c. Resposta, letra C!!!

Sajara
Enviado por Sajara em 02/04/2007
Reeditado em 02/04/2007
Código do texto: T435298