Cinderela Choping Center





Numa loja de departamentos de um grande choping center, a bela funcionária da manutenção caminha com seus apetrechos de limpeza num rebolado que para os corredores. Bluzinha aberta dois botões. Só pra sombrear. Intermitentes réstias de luz, de onde quer que viessem, encontrariam aquele busto avantajado, naquele decote improvisado e generoso...


Um cliente distraído não havia percebido aquela apoteose. Aproxima-se da garota e pede uma informação. Ela responde desviando o olhar. Ele nota a sutileza e tenta marcar um encontro depois do expediente. Ela acena negativamente dizendo que vai passar a noite no trabalho. Ele insiste, sem acreditar. Ela lhe faz uma proposta inesperada...


Aquele Boeng - cor morena clara, de quase um e oitenta, uniforme e avental - pergunta ao rapaz de aparência jovem, vestindo roupa esporte, com as mãos livres, como se estivesse em um exercício de caminhada: _Quer que eu seja sua Cinderela?


Sem entender a pergunta, ele aceita de pronto. Ela Sorri. Dá mais algumas instruções. Ele deveria entrar no banheiro masculino e esperar até o encerramento do horário de atendimento ao público. Depois deveria ir até a seção do Show Room de cama, mesa e banho, onde ela estaria esperando. Assim ele fez...


Ao chegar ao tal lugar a moça havia se transformado em musa. Seus atrativos haviam assumido proporções de encantamento, uma metamorfose dos contos de fadas. Fadas do desejo, do amor e da fantasia. Muita fantasia.


Ela vestia um traje vermelho. Finíssima lingerie, coberta discretamente por uma capa transparente, esvoaçante, de mesma cor. Capa, não, um manto. Um manto de rainha. Cabelos soltos um sapato dourado de salto alto. Muito alto, dando toda aquela fragilidade que as ninfas necessitam para se ampararem nos braços do amado. E só. Naquele corpinho até um cinto seria demais, ele pensou...


Os olhares se encontram num mútuo convite incendiando ambos os corações. Quem diria? E tudo começou numa fumaçinha de nada. A cama muito bem arrumada, coordenação de cores, cenário para muitos amores. Mas não conseguem chegar até ela. Desabam entre almofadas espalhadas e prateleiras. Divinas prateleiras que os encobria enquanto o vigia, a ronda fazia.


Um encanto que os atordoou e durante toda a noite rolou. O dia amanheceu e os encontrou vestidos em uniformes, que os transformavam em números funcionais. Para tanto só precisavam da simples aparência, sem emoções, nem conteúdos. Ela emprestou-lhe um rodo e um pano... Aproximam-se do banheiro masculino, onde ele assume sua primitiva aparência, enquanto a Cinderela se despede num último olhar...


A lembrança daqueles momentos vai acompanhá-los por toda sua vida... A doce Cinderela poderá rever seu príncipe encantado... Quem sabe? Sua vida simples, não seria mais a mesma depois daquela experiência. Tudo que viveram, naquela noite de sonho, poderá ser o reinício de uma relação sólida e duradoura...


Reinício...
Aquele casal estava em crise e a esposa resolveu surpreendê-lo... 
E deu certo. Após a despedida, que fazia parte da fantasia do casal, encontraram-se, lá fora. No reencontro um grande abraço de saudade. Deram-se as mãos...
Haviam se reconciliado, naquela viagem... 


Enquanto isso, no grande e espetacular complexo, tudo continua a seguir a mesma lógica impessoal. Funcionários, de qualquer escalão, continuarão com seus crachás numerados e uniformes trabalhando para compor e aumentar uma estatística de produtividade, à serviço do capital.


Ibernise.
Indiara (Goiás/Brasil), 02ABR2007

 

 
Ibernise
Enviado por Ibernise em 02/04/2007
Reeditado em 23/08/2013
Código do texto: T435208
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