No clima das copas
Escrever sobre esportes, nunca me atrevi. Sou - e contento-me em sê-lo - apenas um fiel torcedor de três gloriosos clubes de futebol: na Bahia, o Esporte Clube Vitória; no Rio de Janeiro, o Clube de Regatas Vasco da Gama; e, em São Paulo, o Santos Futebol Clube. E nada mais do que isso.
Embora reconhecendo que defender o seu clube - e até "morrer" por ele - seja o dever de todo bom torcedor, confesso, publicamente, que detesto discutir futebol. O torcedor sempre acha que o seu time é o melhor, perdendo ou ganhando. Não aceita a opinião de ninguém. Em consequência, travam-se exacerbadas discursões, incômodas e intermináveis.
Um momento. Permita-me, o amigo leitor, fazer um sincero reparo em cima do que acabo de afirmar. Quero dizer, que, outrora, fui um ardoroso e destemido torcedor. Às vezes defendia, com irracional paixão, as cores dos três clubes que apontei acima, como os meus.
Hoje, torço com moderação. Sem me exasperar nem com o que maledicentes linguarudos possam dizer sobre os meus três clubes.
Uma coisa, porém, é certa: gosto muito de ler os bons cronistas esportivos; os de ontem e alguns de hoje. Entre os de hoje, o sensato Tostão, que virou cronista dos gramados, após se despedir, com dignidade, das chuteiras que o ajudaram a ser um do melhores jogadores do futebol brasileiro.
Entre os de ontem - relendo o que eles deixaram em numerosos livros -, admiro o pernambucano, do Recife, Nelson Rodrigues (1912-1980) e o acreano de Xapuri (1927-2010) Armando Nogueira.
O Anjo Pornográfico com suas páginas inteligentes, irreverentes, comentários atraentes e cáusticas às vezes, postadas em À sombra das chuteiras imortais, coluna que alimentou na extinta Última Hora, e, até morrer, no jornal O Globo.
Autor de frases inimitáveis, como esta: "O Maracanã vaia até o minuto de silêncio", respondendo a João Saldanha quando esse polêmico jornalista ousou lembrar os assovios, os fios-fios da torcida enfurecida condenando a fraca atuação do seu Fluminense.
Armando Nogueira, um inigualável cronista romântico da bola. Seus comentários, sempre criteriosos, enriqueciam a crônica esportiva brasileira, emprestando-lhe um saudável lirismo, sem pieguice.
Algumas de suas frases: "Sou apenas um coração que descobriu no esporte um jeito infantil de ser feliz." - "Minha vida se nutre do belo que há no círculo mágico de uma bola."
Duas sobre Mané Garrincha: "Pés saudosos que imortalizaram o momento mais poético do futebol." - "Saudades de Garrincha. Tu, que, no traslado derradeiro, driblaste a Via-Láctea inteira e entraste céu acima com bola e tudo."
"A bola tem qualquer coisa de sublime. De graça caída do céu. Deve ser filha do sol com a lua cheia." - "A bola de um gol tem duas faces: riso e lágrima." - "No futebol, matar a bola é um ato de amor." - "Gol de letra é injúria; gol contra é incesto; gol de bico é estupro."
Falando sobre a obra de Armando Nogueira, o escritor Carlos Heitor Cony, pondo-o ao lado de Mário Filho e Nelson Rodrigues, disse que, com os três, um ao lado do outro, estava formada "a Santíssima Trindade de nossa literatura esportiva."
E Carlos Drummond de Andrade? Drummond? Sim, ele também escreveu sobre a bola. No livro Quando é dia de futebol estão várias de suas melhores crônicas sobre o que aqueles locutores d´outrora chamavam de o "esporte bretão".
Leiam o que ele escreveu sobre Garrincha, na crônica Na Estrada.
"O moço de coração simples estava à beira da estrada, vendo passarinho voar. Passou o destino, bateu-lhe no ombro e disse: - Vai brincar.
- Eu estou brincando - respondeu o rapaz.
- Vai brincar com os pés e com as pernas, pois para isso nasceste. "
E Drummond prossegue escrevendo sobre a peregrinação do moço de coração simples, na busca do que o destino lhe reservara: "...brincar com os pés e com as pernas". Mas aonde ele chegava, era recusado: "Tens pernas arqueadas."
Até que um dia aceitaram-no, e, diz Drummond, que ele "brincou melhor do que todos os que tinham pernas clássicas."
O moço ganhou fama e ganhou o mundo. E completa o genial poeta: "...assombrava os povos pelo mistério das pernas cambotas, que sabiam bailar e enganar, enganar ebailar."
Ainda Drummond na sua crônica: "A glória o perturbará, profetizavam alguns. Com a glória perderá a inocência. A glória não o perturbou; era simples o menino grande, brincando mais engraçado que os outros, e nisso se comprazia."
O dinheiro, comenta Drummond, não perturbou o creque: "...fugindo aos prazeres da dissipação e da soberba, reservou-se o prazer do brinquedo."
"Aí veio o amor, e disse: - Eu venço este homem." Na conclusão do vate, o amor derrotou o craque.
A crônica do Carlos, Na Estrada, deve ser lida pelo jogador Neymar Jr, antes de se despedir do Brasil e passar a viver a suntuosidade do milionário Barça. Fica aqui a sugestão.
Escrever sobre esportes, nunca me atrevi. Sou - e contento-me em sê-lo - apenas um fiel torcedor de três gloriosos clubes de futebol: na Bahia, o Esporte Clube Vitória; no Rio de Janeiro, o Clube de Regatas Vasco da Gama; e, em São Paulo, o Santos Futebol Clube. E nada mais do que isso.
Embora reconhecendo que defender o seu clube - e até "morrer" por ele - seja o dever de todo bom torcedor, confesso, publicamente, que detesto discutir futebol. O torcedor sempre acha que o seu time é o melhor, perdendo ou ganhando. Não aceita a opinião de ninguém. Em consequência, travam-se exacerbadas discursões, incômodas e intermináveis.
Um momento. Permita-me, o amigo leitor, fazer um sincero reparo em cima do que acabo de afirmar. Quero dizer, que, outrora, fui um ardoroso e destemido torcedor. Às vezes defendia, com irracional paixão, as cores dos três clubes que apontei acima, como os meus.
Hoje, torço com moderação. Sem me exasperar nem com o que maledicentes linguarudos possam dizer sobre os meus três clubes.
Uma coisa, porém, é certa: gosto muito de ler os bons cronistas esportivos; os de ontem e alguns de hoje. Entre os de hoje, o sensato Tostão, que virou cronista dos gramados, após se despedir, com dignidade, das chuteiras que o ajudaram a ser um do melhores jogadores do futebol brasileiro.
Entre os de ontem - relendo o que eles deixaram em numerosos livros -, admiro o pernambucano, do Recife, Nelson Rodrigues (1912-1980) e o acreano de Xapuri (1927-2010) Armando Nogueira.
O Anjo Pornográfico com suas páginas inteligentes, irreverentes, comentários atraentes e cáusticas às vezes, postadas em À sombra das chuteiras imortais, coluna que alimentou na extinta Última Hora, e, até morrer, no jornal O Globo.
Autor de frases inimitáveis, como esta: "O Maracanã vaia até o minuto de silêncio", respondendo a João Saldanha quando esse polêmico jornalista ousou lembrar os assovios, os fios-fios da torcida enfurecida condenando a fraca atuação do seu Fluminense.
Armando Nogueira, um inigualável cronista romântico da bola. Seus comentários, sempre criteriosos, enriqueciam a crônica esportiva brasileira, emprestando-lhe um saudável lirismo, sem pieguice.
Algumas de suas frases: "Sou apenas um coração que descobriu no esporte um jeito infantil de ser feliz." - "Minha vida se nutre do belo que há no círculo mágico de uma bola."
Duas sobre Mané Garrincha: "Pés saudosos que imortalizaram o momento mais poético do futebol." - "Saudades de Garrincha. Tu, que, no traslado derradeiro, driblaste a Via-Láctea inteira e entraste céu acima com bola e tudo."
"A bola tem qualquer coisa de sublime. De graça caída do céu. Deve ser filha do sol com a lua cheia." - "A bola de um gol tem duas faces: riso e lágrima." - "No futebol, matar a bola é um ato de amor." - "Gol de letra é injúria; gol contra é incesto; gol de bico é estupro."
Falando sobre a obra de Armando Nogueira, o escritor Carlos Heitor Cony, pondo-o ao lado de Mário Filho e Nelson Rodrigues, disse que, com os três, um ao lado do outro, estava formada "a Santíssima Trindade de nossa literatura esportiva."
E Carlos Drummond de Andrade? Drummond? Sim, ele também escreveu sobre a bola. No livro Quando é dia de futebol estão várias de suas melhores crônicas sobre o que aqueles locutores d´outrora chamavam de o "esporte bretão".
Leiam o que ele escreveu sobre Garrincha, na crônica Na Estrada.
"O moço de coração simples estava à beira da estrada, vendo passarinho voar. Passou o destino, bateu-lhe no ombro e disse: - Vai brincar.
- Eu estou brincando - respondeu o rapaz.
- Vai brincar com os pés e com as pernas, pois para isso nasceste. "
E Drummond prossegue escrevendo sobre a peregrinação do moço de coração simples, na busca do que o destino lhe reservara: "...brincar com os pés e com as pernas". Mas aonde ele chegava, era recusado: "Tens pernas arqueadas."
Até que um dia aceitaram-no, e, diz Drummond, que ele "brincou melhor do que todos os que tinham pernas clássicas."
O moço ganhou fama e ganhou o mundo. E completa o genial poeta: "...assombrava os povos pelo mistério das pernas cambotas, que sabiam bailar e enganar, enganar ebailar."
Ainda Drummond na sua crônica: "A glória o perturbará, profetizavam alguns. Com a glória perderá a inocência. A glória não o perturbou; era simples o menino grande, brincando mais engraçado que os outros, e nisso se comprazia."
O dinheiro, comenta Drummond, não perturbou o creque: "...fugindo aos prazeres da dissipação e da soberba, reservou-se o prazer do brinquedo."
"Aí veio o amor, e disse: - Eu venço este homem." Na conclusão do vate, o amor derrotou o craque.
A crônica do Carlos, Na Estrada, deve ser lida pelo jogador Neymar Jr, antes de se despedir do Brasil e passar a viver a suntuosidade do milionário Barça. Fica aqui a sugestão.