Conversando com Vlado*
Apensas uma questão de raciocínio linear, Vlado.
Como você sabe, um católico fervoroso colecionou acusações, como médico-legista, de não atribuir à tortura a causa de inúmeros óbitos durante o fanático período da ditadura militar no Brasil.
Onde está a religião senão na cabeça das pessoas? Que catolicismo fervoroso poderia admitir a farsa como procedimento normal ou habitual, sobretudo a partir de pessoa que, no limiar da sua vida profissional, se presta a juramento ao ser diplomado?
Então, somos católicos fervorosos, sim. Mas só até aonde permitirem os nossos interesses e conveniências. Assim como budistas, messiânicos, evangélicos, judeus, muçulmanos, etc.
Alto lá! Temos que admitir que talvez seja precipitado falarmos o mesmo de outras religiões. Mas será absurdo imaginarmos que elas estejam muito mais na cabeça dos homens que fora dela? Que a Bíblia seja um livro inquestionavelmente escrito pelo homem? Não se tem conhecimento de outro tipo de animal, tido como irracional, que esteja sujeito a comportamentos como o externado por esse médico-legista.
Não chega a ser difícil imaginarmos o homem como um ser contraditório. E ironicamente pode ser a contradição o que vai permitir que ele aperte a mão do adversário. Chegando-se, a partir daí, à conciliação.
Contudo, a preponderância das contradições em nossas vidas não nos tornaria menos humanos? Como podemos (sempre) estar servindo a Deus e ao Diabo ao mesmo tempo?
Rio, 20/06/2013
*Vladimir Herzog, jornalista, morto sob tortura no DOI-CODI de São Paulo, em 1975, durante a ditadura militar