Será que engoli a linha?

 
Extraído meu dente em Lisboa, a doutora recomendou que os pontos fossem retirados na semana seguinte. Eu mesma poderia fazê-lo utilizando uma tesourinha devidamente desinfetada, o que de pronto rejeitei. Nem pensar em me aventurar numa coisa dessas, desajeitada como sou, seria um desastre! Onde a senhora estará nos próximos dias? Vou a Barcelona e em seguida a Paris, respondi. Então é melhor que procure um dentista ainda na Espanha, pois na França poderá lhe custar muito mais. Pensando que a doutora tinha razão, imaginei seguir seu conselho. Depois mudei de ideia, seria bem complicado achar um dentista num sábado em Barcelona... A pequena operação teria mesmo que ser feita em terras francesas.

Chegando em Paris, com tanta coisa para ver, ai que preguiça de procurar um dentista. O pior já havia passado, não sentia mais dor alguma, o que eu queria era aproveitar meu passeio. Mas por outro lado, a história de tirar os pontos martelava minha cabeça. Passando, então, diante de uma farmácia resolvi perguntar se podiam me indicar um dentista e contei o motivo. Achei que a atendente ia dizer que o caso podia ser resolvido ali mesmo, já que se tratava de algo tão simples. Mas não foi isso que aconteceu. A moça me passou um papelzinho com dois ou três nomes e telefones, dizendo que eram enfermeiras que podiam me atender no hotel. Eu, hein? Imagine quanto elas iriam cobrar! Muito mais do que a própria extração do dente que nem foi tão cara.

Acabei deixando pra lá, só de vez em quando é que me lembrava daquela linha e passava a língua para ver se ainda estava ali. Uma vez ou outra achei que havia desaparecido, certamente já andava lá pelas minhas entranhas, embora em momento algum tenha sentido o estômago embrulhado. Somente quando cheguei de volta a minha casa é que ela deu o ar da graça. De repente, sem mais nem menos, despregou-se da gengiva. Que alívio!




(*) foto da autora