Igrejinha
IGREJINHA
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 19.06.13)
Era o Eduardo.
- Um problema, meu querido, e preciso muito da tua ajuda. Um problemão, na verdade. Dá uma chegadinha aqui, se puderes, agora mesmo. Não posso dizer pelo telefone do que se trata. A Mônica, sabes como é...
Atravessou a rua, andou algumas dezenas de metros. Outra do Eduardo, foi pensando. Vai ver que andou se metendo com alguma funcionária do consultório, cogitava. Não seria a primeira vez. Ou então está sendo chantageado de novo. Quem sabe apenas precisa de um álibi indestrutível. Acionou a campainha eletrônica do portão da casa do vizinho. A Mônica em pessoa foi abrir a porta. E que pessoa, a Mônica! Shortinho, salto alto e uma blusinha colada no corpo.
- Vem entrando, o Eduardo está no deque da piscina. Com essa temperatura de congelar rabo de pinguim, ele diz que está tudo bem, que nem está tão frio assim.
As pernas de fora, maravilhosas, da Mônica. Gostaria que aquele corredor tivesse quilômetros de extensão para poder segui-la enquanto admirava o seu andar sem qualquer pudor nem constrangimento. Sem pudor nem constrangimento o olhar tanto quanto o andar. Mulher de amigo meu é mais mulher ainda, considerou. Mas a piscina ficava logo ali, pertinho demais da porta de entrada. Num passe de mágica, ao simplesmente olhar em direção a Eduardo, a Mônica sumiu.
- Manoel Osório, meu amigão! Venha daí um grande abraço, camarada!
Apertaram-se peito contra peito, Eduardo serviu um uísque para o convidado, olhou em volta para certificar-se de que Mônica não estava à vista e foi direto:
- Serei direto, meu irmão. A Mônica decidiu que tínhamos de ir a Igrejinha, ela quer comprar sapatos e diz que lá sempre tem uns lançamentos de arrepiar, e baratíssimos, nas lojas das fábricas da região. E mais: que o melhor lugar para se hospedar, ali perto, é em Gramado. Unir o útil ao agradável, ela disse. Até já reservamos e pagamos tudo.
- Claro - ponderou Manoel Osório. - Que ótimo. Só não vejo onde está o problema aí.
- O problema não está aí, mas aqui. Comigo. Me surgiu um compromisso profissional inadiável para a semana que vem, nem sei como dizer a ela. O certo é que não poderei ir.
- Gostarias então que eu conversasse com ela, com a Mônica, para lhe dar a notícia? Até entendo, com essa situação assim de vocês, incerta e não sabida, o casamento suspenso por um fio, nesse vai não vai...
- Não. Quero que viajes com ela. Sei que, por sorte, estarás livre na semana que vem, te entrego meu carro e tu me fazes esse enorme favor. Não gostaria de desapontar a Mônica. Não especialmente agora.
- O teu carrão zerinho de câmbio automático?
- Isso.
- Com a tua mulher?
- Olha, ela diz que tudo o que se faz em Igrejinha é abençoado. Um amigo nosso, há pouco, recebeu dois telefonemas enquanto passava por lá. Num, seu advogado comunicava que finalmente conseguira cobrar uma dívida antiga, de valor respeitável. No outro, o chefe lhe dizia que sua promoção enfim saíra. Entusiasmado com as notícias, apostou na hora na loteria. Não tem erro.
- E o bilhete foi premiado?
- Cara, a Mônica gosta muito de ti. Quero contar com o amigo. Tenho certeza de que ela vai se divertir em tua companhia e esquecer o meu bolo. Como a Mônica mesmo diz, é abençoado tudo o que se faz em Igrejinha.
Mônica passou por eles e sorriu. O short parecia mais curto, o salto, mais alto e a a blusa, mais colada. As pernas, mais sedutoras. A mente de Manoel Osório funcionava a todo vapor: buscava já uma forma de justificar a necessidade de ficarem aquela noite em Igrejinha.
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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.
"Somente teremos discussões salutares neste País se respeitarmos a História."
Eu Mesmo, em 17.04.13, respondendo a "e-mail" sobre golpe de 1964 e ditadura de 21 anos.