O que é o Ser Humano?


Perguntou, em adorável crônica, que permanece eterna porque única, a fabulosa Hilda Hilst (se nunca leu comece agora): o que é o ser humano?

Gostaria que o ponto de interrogação anteriormente aposto fosse como um gancho a nos dependurar pelo avesso expondo as nossas almas, que deixamos dependuradas em cabides ao sair de casa. Não sou poeta, pois se fosse faria um poema com tal indagação e perguntaria a cada bípede hercúleo, malhado em barras de academias, ou amorfo em contornos de obesidade, descendente das cruas costelas de Eva: o que sois; ó homem que te diz “sapiens” e que o mais sábio afirmava que nada sabia?

Hilda continua e questiona: é o assassino humano? O santo é humano? Quem é humano? Eu sou humano? E você leitor, a quantas anda a vossa humanidade?

Papo-cabeça em dia triste só rende caraminholas em cabeças nuas.

O chimpanzé, que não mata o outro da mesma espécie é mais humano que o homem? Existem estudos que dizem que um chimpanzé pode matar a outro, em disputa febril pelo espaço ou pela primazia sobre o órgão de reprodutor de certa fêmea. Isso é que é vontade de fazer “chimpanzezinhos” (olha o neologismo – aqui registrado para a posteridade).

No entanto, ainda não foi visto um massacre coletivo de chimpanzés sobre outros – não vale o filme “O Planeta dos Macacos”. Recordo de um episódio da série na qual inteligente e peludo chimpanzé indaga a um bípede pelado: como é ser humano? O humano, sem entender: o quê? E o chimpanzé, reconhecendo a dificuldade: nada, absolutamente nada. Talvez formigas, ratos, ou outros, se trucidem quando o alimento fica escasso; afinal, determinou a natureza no Evangelho Segundo Machado de Assis: ao vencedor as batatas.

Por que então, vos pergunto, ó seres de duas patas e enorme massa encefálica, qual o motivo de matardes uns aos outros? A sobra do jantar de ontem, a sobra da herança, as ancas da vizinha, o deslizar do cunhado pela sala de estar, os excessos de tua carteira, um real, a terra, quando é mais do que os sete palmos verticais a todos reservados: estes os pomos de nossa discórdia? Desde Noé, quando a pomba trucidou no regresso o corvo, ganhando a eterna primazia para figurar como símbolo da paz, após conselho de um consultor de imagem, que matamos uns aos outros. Deus não conta, é superior e nos mata quando quer, a seu bel-prazer.

Sei que não sou humano quando arrasto pelas ruas um João Hélio. Sei que não sou humano quando detono Hiroshima e Nagazaki sob as cinzas de uma rosa cinzenta. Sei que não sou humano quando lanço resíduos na atmosfera do meu planeta, quando me pico com tóxico, me embriago até que eu me esqueça, me entupo de comida e morro indigesto. Sei que de 1001 maneiras não sou humano. Então, quando eu sou humano?

Serei humano quando embalo a dormir o meu bebê, quando derramo uma lágrima por alguém que não conheço, quando divido o último pedaço de pão, quando não multiplico o mal, quando faço todo o bem que eu possa, quando ensino a lição de casa a uma criança, quando ouso sorrir para um estranho, quando me ajoelho e rezo, quando posso dormir em paz?

Divaguei, escrevi e viajei, e eis que não bebo; sem, contudo vos esclarecer: o que é o ser humano? Talvez, de todas as definições, a melhor seja a de uma criança quando lhe foi perguntado na escola: o que você é? Eu, eu sou filho de meus pais. E ponto final.