Tele-marketing
Já estava atrasado quando toca o telefone. Pelas barbas do profeta, eu pensei. Não é hoje que eu consigo sair de casa. Hesitei, mas achei por bem atender a ligação. No outro lado da linha um desses operadores de “tele-marketing”. Tentei disfarçar dizendo que o dono da casa não se encontrava. Mas ele, muito simpático, desatinou o que parecia ser um texto já decorado:
- Boa tarde, dentro de alguns dias o senhor vai estar recebendo em sua casa um formulário para poder estar participando do nosso mais novo concurso. Somos a empresa “Tudo em cima”, especializada em equipamentos de exercícios. Se o senhor conseguir estar respondendo algumas poucas perguntas nossa empresa vai estar enviando ao senhor uma confirmação do cadastro por escrito e um formulário que deve estar sendo preenchido para poder estar ganhando uma esteira inteiramente grátis “Top de Linha”.
- Um momento, meu rapaz. Que história é essa?
- O senhor vai estar recebendo em sua casa um formulário...
- Não, não. Isso eu entendi, quer dizer, acho que entendi. Ah...Sei lá, entendi mais ou menos.
- Posso estar explicando pro senhor.
Não, pode deixar. Eu entendi. O formulário, o cadastro. Até aí tudo bem. O que eu não entendi é essa presepada toda.
- É um concurso que vamos estar realizando...Se o senhor puder estar...
- Que mania, meu rapaz!
- Pois não?
- Deixa pra lá. Quem escreveu este texto sobre o concurso?
- Como assim?
- Esse texto? Foi você quem escreveu este texto?
- Ah, não, esse texto vem lá de cima, ordens superiores...
- Pior ainda.
- Pois não?
- Nada não, esquece.
- Então? O senhor pode estar respondendo algumas
perguntas, coisa de três ou quatro?
- Não, não, assim não dá. Este texto que lhe deram está muito esquisito.
- Como assim?
- Esquisito essa coisa de sempre colocar três verbos na mesma frase. Que coisa! Você pode simplificar tudo isso. Seria muito melhor assim: Você pode responder algumas perguntas?
- Pois não. Quais?
- Quais o quê?
- Quais perguntas?
- Pelo amor de Deus, este é só um exemplo de como você
poderia simplificar a frase.
- Ah, sim.
- Preste atenção, ao invés de dizer “vou estar lhe enviando uma confirmação do cadastro...” você pode dizer “nós lhe enviaremos uma confirmação do cadastro”. Simples, não?
- Um verbo só?
- Só.
- Puxa, então no caso de “o formulário deve estar sendo preenchido...”
- Vixe! Aí já é demais! “O formulário deve ser preenchido” já tá de bom tamanho.
- Mas, são três verbos.
- Sim, mas tira o gerúndio.
- Tira quem?
- Deixa para lá.
- Podemos então, estar...(pausa) enviar o formulário?
- Olha, meu rapaz, estou na minha hora. Estava de saída quando o telefone tocou. E sabe do que mais? Eu vou estar analisando a sua proposta e vou estar dando um retorno assim que possível.
Ops! Essa coisa pega!
Crônica de Marcelo Candido Madeira publicada na Revista Via Brasil em 2006 na Suíça.
http://marcelomadeira.wordpress.com/