A Mentira tem Pernas Curtas
A Mentira tem Pernas Curtas
Naquele dia, estávamos aguardando o momento de começar um teste semestral, quando a professora, após escrever as questões no quadro negro, sentou-se ao birô e, ao fazer a chamada, notou que estava faltando um aluno. Indagou-nos se o tínhamos visto, mas ficamos calados pois não sabíamos nada a seu respeito.
Minha professora primária era uma senhora de meia-idade, usava roupas sérias e óculos de grau. Era uma boa pessoa e ensinava muito bem, obedecendo os padrões da época. Os alunos que preparava, sempre eram aprovados no exame de admissão - um exame após a 5ª série primária, cuja aprovação dava entrada ao aluno na 1ª série Ginasial, hoje Fundamental. Dª Maria do Carmo foi uma baluarte na educação de duas gerações em minha cidade. Meu pai estudou no seu educandário até a 3ª série primária.
Enquanto copiávamos as questões numa folha de papel almaço, usando caneta–tinteiro, tínhamos todo o cuidado para não errar e borrar a fim de não perdermos ponto. Era proibida a “pesca” ou “cola”. Ai de quem fosse pego nessa situação, porque levaria uma dúzia de bolos de palmatória. Pior é que os pais apoiavam aquele sistema educativo medieval, regido pela lei da palmatória.
O relógio na parede marcava 7.40 hs e já tínhamos começado a responder os testes, quando Dª Maria fez novamente a chamada e viu que ainda estava faltando um aluno. Guardou o diário de frequência e voltando-se para nós, falou com firmeza:
_ Quem faltou à prova de hoje, não vai mais fazer, vai tirar Zero! Ainda perdoo se estiver doente, com um bilhete dos pais. Ouviram?
_ Ouvimos!
_ Por favor, avisem para quem faltou.
_ Sim, senhora! _ Respondemos em coro.
Dª Maria fiscalizava a prova, corrigindo trabalhos. Ali, mesmo, merendava café-com-leite e pão amanteigado, isso quase diariamente. De vez em quando, batia com a caneta na mesa para ver quem estava pescando. Costumava olhar por cima dos óculos de lentes bifocais brancas e armação dourada... Nossa! Bastava isso para que me sentisse desconfortável. Mas, como sempre estudei bastante, não havia razão para receio algum. Faltavam somente duas questões para terminar o teste que, para mim, era o mais difícil de todos porque nunca gostei de lidar com números.
Oito horas e vinte minutos no antigo relógio de pêndulo dourado que, de hora em hora, tocava uma musiquinha: “Tan, tan, tan, tannn... Tan, tan, tan, tannnn!” Ainda hoje aquela melodia soa em meus ouvidos!
Um barulho na escadaria despertou a nossa atenção. Era Pedro, o aluno faltoso. Entrou de vez na sala, afrontado, com cara de espanto, medo, como sem saber o que dizer para justificar sua chegada àquela hora:
_ Bom... Bom dia, professora! _ Falou, todo atrapalhado!
Toda a classe riu baixinho, diante da cena cômica inesperada.
_ Bom dia, o quê? Boa tarde! Isso é hora de chegar? _ Indaga a professora, arregalando os olhos que davam medo, causando arrepios.
_ É... É que eu estava passando a chuva debaixo do “Ponto Chic”...
_ Ô Pedro Malazarte! De onde tiraste chuva em pleno verão, durante uma seca pavorosa dessa? Anda! Fala! (Pega-lhe pela orelha e leva-o para o porão do prédio escolar, onde costumava fazer uso da palmatória, sem dó, nem piedade.)
_ ***
Maria de Jesus
Fortaleza, 16/06/3013.