A Anta
Hoje como sempre o confronto. Que observamos pela televisão em nossas principais capitais, como em muitas cidades pelo mundo. Pelos motivos mais variados, como o aumento das passagens nos transportes coletivos. Sempre as pessoas que exploram versus as pessoas exploradas. Independente do sistema político vigente.
Embora ocupem lados diferentes, as pessoas são as mesmas. E o antagonismo também. O antagonismo é uma anta imorredoura que se retroalimenta sem ter essa necessidade. Mas as pessoas fazem questão de manter a desigualdade. Por isso colaboram na alimentação de uma anta que nunca vai morrer de fome.
Com a imaginativa configuração de que o grupo das pessoas exploradas é sempre muito maior que o grupo das que exploram. Sabendo-se que, como são pessoas, eventualmente alguns que estarão num grupo podem depois ser encontrados em outro.
Foi assim com o rapaz que dirigiu o carro que sequestrou o embaixador. E depois tornou-se ministro de Estado num conhecido país do Cone Sul. Foi assim com Maximilien Robespierre, que estava do lado de um grupo, tendo sido guilhotinado depois de se achar do outro lado. Casos da transferência de quem estava no grupo explorado para o grupo explorador.
Mas há também exemplos de situação inversa. Como o de São Francisco de Assis. Que jogou tudo pro alto e foi se juntar ao grupo dos que pouco ou nada tinham. Podendo talvez aqui se entender o inapagável realce que teve a figura de Jesus Cristo, o subversivo e revolucionário número 1. Que nasceu num meio e nele desapareceu, sem que mudasse de lado.
De qualquer forma, essa é a anta que parimos. E o diagnóstico que se pode ter é o de que nada nos fará perceber a possibilidade da sua desconstrução.
Enquanto não houver despojamento. O desentendimento, quem sabe, é a nossa marca maior. E ele parece se fundamentar na questão da pertencibilidade, ou coisas que nos pertencem. Não apenas no âmbito material. Valores espirituais são também um fator de domínio e exploração. E do mesmo modo subjugam um grupo de que pessoas a outro. Sendo o primeiro sempre maior que o segundo.
Não há, e parece que nunca haverá, a menor chance de que o que pertença a uns pertença a todos. Quaisquer que sejam os valores envolvidos, materiais ou espirituais. Assim como o sistema político adotado. Parece que houve isso com os índios. Mas nós, nós somos mais sofisticados.
Essa foi a anta que criamos ou inventamos ou construímos. E retroalimentamos. E nem precisava, porque a sua duração se afigura como eterna.
Maricá, 15/06/2013
Aluizio Rezende