Natal Azul
O tempo passou tão rápido quanto uma brisa despercebida e leve. Rápido mesmo. E tanta coisa ficou para trás, no tempo, na infância na memória. As primeiras aulas, a professora do CA, os sabores, as músicas e as pessoas que chegaram e se foram.
Tudo isso se foi, menos o nome e a lembrança de Antônio. Antônio era quieto, alvo, suave e tinha uma alegria tímida no fundo dos grandes olhos azuis. Antônio... Éramos crianças. Não sei quantos anos tinha Antônio, sei que o tempo parou para ele. Na minha lembrança Antônio ainda é aquela criança. Não o imagino adulto, não sei onde mora, tampouco o que faz da vida.
Ele também cai no beco escuro da lembrança ou da falta dela, aliás confesso que sempre foi assim, até que de uns dias para cá, ele apareceu na minha ideia súbita, nos cantos mais escondidos do inconsciente. Antônio. De mãos dadas comigo ensaiando uma canção para a festa de fim de ano da escola. Antes do colo do papai Noel e da última foto, antes da minha leitura para os pais, lá estava Antônio.
O que me surpreende é não lembrar dele em outras situações, em outros dias, outras conversas, nada. Somente estava ao meu lado sorrindo enquanto cantávamos músicas que embalariam as pessoas em uma festa de natal. Nas fotos, nada de Antônio. Talvez porque sejam poucas fotos, talvez porque poucas pessoas fotografaram, não sei.
Com as lembranças de lado, ontem saí para fazer compras de natal. Roupas, supermercado, o que fosse possível fazer em um dia. O centro do Rio lotado e todos lotados de pressa. Entrei no ônibus e por sorte consegui me sentar junto à janela. Guardei as bolsas com cuidado já que a peregrinação continuaria no dia seguinte e se algo fosse perdido, perderia mais ainda meu tempo de mulher ocupada para reencontrar o objeto e voltar a compra-lo.. Abri a janela, prendi os cabelos e olhei para fora, observando a multidão que se dissipava.
No meio de tanta gente que atravessava a rua às pressas, vi ao longe, já chegando ao outro lado, absorto e suave. Antônio? Não sei dizer, mas meus olhos pararam por um instante sobre aqueles olhos azuis. Foi só um instante enquanto eles se afastavam e sorriam. Nunca saberei se era realmente Antonio, dei de ombros e segui para casa. - Não era ele, imagine. Antônio não cabe no presente! Ou será que a caixinha do passado ficou pequena e ele escapou? Não saberei nunca, mas ainda sinto as pequenas mãos junto às minhas. Antônio voltou em segredo. Fechou-se a caixinha. Durmo embalada pelas canções de natal.