O LIVRO DOS DIZIMISTAS
Era uma quinta-feira e minha mulher, como de costume, saíra cedo para a escola e eu aproveitava para curtir, mais um pouco, o restinho da lassidão pelo avanço, noite adentro, teclando no computador.
É de praxe, por volta das quinze para as oito, ligar o rádio, na CBN e, ainda deitado, escutar os comentários do Max Gheringer respondendo aos seus ouvintes sobre as questões que envolvem o Mundo Corporativo. Em seguida, entra o Mauro Halfeld falando sobre economia e o melhor jeito de se aplicar dinheiro e auferir rendimentos, nessa diabólica ciranda financeira.
Como não sou, nem um pouquinho, afeto a essa conversa de avarentos fico na retaguarda, já com um anteparo, achando que o sujeito tem voz de capeta, falando mansinho no ouvido das pessoas, incentivando-as a mergulhar de ponta cabeça no pecado mortal usura financeira.
Depois desse simpatizante de Satanás, ouço, atentamente as crônicas oportunas e mordazes do grande Arnaldo Jabor. Tenho aprendido muito com ele e mergulho no seu estilo direto, sarcástico e bem humorado, até mesmo quando lê suas crônicas movido pela raiva. Afinal, como sou metido a aprendiz de cronista, vejo-o como um professor.
Aliás, não poderia deixar de citar, aqui, dois antigos cronistas com os quais me identifiquei e dos quais procuro, meio desajeitado, refletir alguns toques: Stanislaw Ponte Preta, o querido Sérgio Porto, e o dramaturgo Nelson Rodrigues. Infelizmente, ambos já falecidos, levaram o jornalismo e os leitores brasileiros a uma perda irreparável. Ainda não apareceram substitutos à altura.
Bem! Voltando ao assunto, após esse aprochego com o rádio, resolvi sair para saborear uma tapioquinha com recheio de leite condensado, coco ralado e Catupiry, iguaria predileta dos costumeiros fregueses da Padaria Mineira, estabelecimento que fica a uns cem metros daqui do meu edifício, o “Van Gogh.
Quando estava mastigando meu primeiro pedaço de tapioquinha, percebi que um casal estava se aboletando nas duas banquetas vagas, ao meu lado direito. Como falavam em voz um pouco acima do normal e estavam muito próximos, pude ouvir sobre o que versavam. Na medida em que a conversa prosseguia, o tom de voz entre os dois ia aumentando e tomando rota de discussão.
Meio constrangido, perguntei a mim mesmo se deveria ou não, mudar de lugar. Mas, como não havia mais banquetas disponíveis, tive que continuar a comer a minha tapioquinha com os dois querelantes já aquecidos. Assim pude inteirar-me do motivo da discussão.
Um dos assuntos danados para provocar dissensões é a religião. Pelo que pude perceber, a moça era pentecostal e o rapaz tinha lá suas inclinações umbandistas.
Mas, o fulcro da discussão era um vídeo que o rapaz dizia estar “bombando” no “YouTube”. Segundo pude entender, tratava-se da crítica a um “bispo” de determinada denominação evangélica que, diante de uma platéia numerosa espremida no templo, de cima do púlpito pregava a fé em futuras benesses.
O pastor, líder por natureza, convencia o rebanho a “pagar seus dízimos por antecipação”. Segundo a pregação, uma das maiores provas de fé era, exatamente, acreditar que as bênçãos de Deus recairiam sobre todos os que pedissem melhores condições de vida, no futuro, e que para isso, demonstrassem a fé pagando o dízimo correspondente, imediatamente.
Assim dizia que, se um ungido pedisse a Deus um novo emprego com um salário de cinco mil reais, para demonstrar a fé na obtenção do desejado deveria pagar ali mesmo, os quinhentos reais relativos, por adiantamento!
Ato contínuo induzia os fiéis a pensarem no novo salário e orientava os “missionários” a distribuírem envelopes para que, neles, fossem colocados o dinheiro ou os cheques correspondentes aos dez por cento do total.
O rapaz criticava, acidamente, essa atitude do “bispo”, referindo-se a ele como um “encapetado” que usava a “Palavra de Deus” para auferir lucros, valendo-se da credibilidade de muitos e da ignorância de tantos.
A moça, por sua vez defendia o pastor dizendo que era legítima a sua conduta e que era lá na Bíblia que estava a ordem de Deus para que todo o fiel pagasse o dízimo sobre os seus ganhos... E, principalmente, se esses ganhos fossem auferidos por interferência do pastor e benevolência divina no auxílio e proteção ao Seu povo.
Acrescentou, ainda, que nos terreiros também há quem peça dinheiro para tirar “malfeitos de macumbaria” e que tinha uma cunhada que pagou um bom dinheiro para amarrar o Zeca, seu irmão, de quem engravidou antes do tempo. Precisava casar e, em razão disso correu atrás de uma “Pomba Gira” que baixava lá no “Terreiro do Nhô Tomaz”. Para tanto, teve que fazer até um “despacho” numa encruzilhada do Sobradinho II.
Como havia acordado de bem com a vida jurei aos meus botões que não deixaria nada, nem ninguém corroer o meu bom humor. Não iria permitir que amargassem o sabor da minha tapioquinha deliciosa. Levantei-me, vagarosamente, e fui para casa acabar de escrever essa crônica.
Como o vírus da curiosidade ainda estivesse ativo corri para o computador e saí atrás do You Tube. Não precisei de muito tempo para encontrar a pérola que deu motivo à pendenga na Padaria. Veja você mesmo! O link está bem aí e diga qual dos dois tem razão! Amém? http://youtu.be/mKJyZ7UloJw
Anunnak – 13/06/2013-23:02hs