O AEROPORTO

Ontem fui ao Aeroporto. Precisava resgatar minha mulher que estava chegando, do Rio de Janeiro, em visita aos filhos e netas.

Como sou um tanto espartano, com essa questão de horários, e para não chegar atrasado e nem deixar ninguém esperando por mim, num encontro, acabo sempre chegando um pouco mais cedo. Foi assim que cheguei ao saguão, bem antes do avião aterrissar.

Ao chegar às imediações do prédio pensei em arranjar uma vaguinha para estacionar o carro. Que vaga, que nada! Aquilo ali estava apinhado de automóveis! Dei umas duas voltas ao redor das vias fronteiriças e, nada! Tudo lotado, com carros até mesmo em estacionamento irregular formando filas duplas!...

A contragosto acabei entrando no estacionamento pago, em frente ao Aeroporto, já irritado com esse mecanismo que considero um assalto perpetrado pelo governo, ao permitir que a iniciativa privada explore um local público construído e pago com dinheiro público.

Não é nada racional que os proprietários de veículos sejam obrigados a pagar IPVA e taxas acessórias que lhes garantam o direito de circular pelas vias públicas e, para estacionar, tenham que pagar para particulares. Pensando bem, esse licenciamento acaba se assemelhando a uma prestação que nunca termina, mesmo que o carro esteja totalmente quitado.

Deixei o “Clio” queimando no sol e fui, resmungando, lá para o saguão.

Logo na entrada, na via adjacente, confusão de táxis com seus condutores ávidos para fisgar passageiros, tumultuando o trânsito, juntamente com veículos particulares que insistiam em formar fila dupla, enquanto um policial militar exercitava os pulmões assoprando o seu apito querendo por ordem na casa.

Atravessei a faixa de pedestre e quase caí, quando uma mulher gorda e desajeitada atropelou o dedão do meu pé com a rodinha da mala que rebocava. Pensei: “como é que uma figura dessas tem Carteira de Habilitação, se nem o raio da mala sabe dirigir direito?”

Já no saguão apinhado de gente, que ia e vinha arrastando malas e empurrando carrinhos, dirigi-me ao painel eletrônico da INFRAERO. Ali estavam o número do voo e o horário, com a informação que precisava saber. Todavia, a empresa não era tão espartana quanto eu e, no painel, lia-se: "Voo 6794 - atrasado”.

Como não havia indicação de quanto tempo seria o tal “atraso”, resolvi sentar-me em uma cadeira disponível e pensar um pouco na vida...

Não consegui pensar na vida! Pelo contrário! A “intuição” deu-me uma cotovelada e murmurou lá dentro do meu cérebro: “Aproveite a situação! Observe o que acontece aqui! Tem muito pano pra manga!”...

Instado por essa minha melhor amiga, comecei, então, a observar tudo o que se passava ao meu redor.

Rapaz! A intuição, como sempre, estava certíssima! Tinha coisa pra dedéu, para a gente observar...

Para começar, aquilo ali nem parecia o saguão de um Aeroporto da Capital da República de um país que sai pelo mundo afora, dando pitacos nas potências do Ocidente, defendendo a bomba atômica do Ahmadinejad.

Como sou carioca, logo comparei o que via com a Gare da Central do Brasil. Putz! Era gente pra formiga, andando pra lá e pra cá, exibindo todo o tipo de expressão que se possa imaginar.

Tinha gente com cara de espanto, outros com feições de tristeza, alguns com jeito de alegria. Também vi medo, indiferença, pressa, pernosticismo, afetuosidade, etc... etc...

A maioria das pessoas daquele mar de gente falava pelos cotovelos com seus respectivos celulares colados nos ouvidos. Pensei: “Afinal, que tanto assunto esse pessoal todo tem para ficar falando ao telefone?”. Celular, ao que parece, é modismo e as pessoas falam, falam, falam, e, quase não dizem quase nada que tenha importância, de fato! Suponho que a maior porcentagem dessa comunicação não passe de frivolidade ou assuntos sem muito sentido. Que importância real, teria para aquela gente, o incrível tráfego de ligações telefônicas?

Ali podíamos ver gente de todas as tribos, cores e tendências. Eram homens e mulheres exibindo as mais diferentes formas de apresentação pessoal.

Aqui e ali homens risonhos, vestindo terno e gravata, acompanhados de outros homens, “de terno preto e de cara amarrada”, que lhes garantiam a “segurança”. Eram “suas excelências”, políticos e autoridades que saíam ou chegavam da “Terra Prometida”.

Também, de terno e gravata, executivos e gente bem apessoada portando “lap-tops” e outros apetrechos usuais às atividades que desenvolviam.

Pilotos, Comissárias e outros aeronautas e aeroviários singravam por meio das ondas de gente de roupas multicoloridas. Sempre alinhados, limpos e dando a impressão de que acabavam de sair de um gostoso banho de água fresca.

Os uniformes também se faziam presentes nos militares da Aeronáutica transitando pelo saguão, cuidando dos seus afazeres. Eram homens e mulheres bem apessoados, impecavelmente fardados, lotados nos setores de Meteorologia, Proteção ao Voo e atividades referentes às funções de responsabilidade da Força Aérea Brasileira.

Crianças, correndo pelos espaços que encontravam faziam o que as crianças costumam fazer em lugares em que tem muita gente: Umas faziam gracinha, outras faziam birra e mais outras abriam um berreiro federal.

Bem na minha frente, um casal de namorados, sem dar a mínima para o ror de gente por todos os lados quase se transfixava, em público, aos beijos lascivamente “linguísticos” e esfregaços pertinentes. Familiares, ao lado, embevecidos, admiravam a beleza do amor e a paz que os jovens irradiavam naquele lugar turbulento.

No meio dessa chibação toda, duas velhas que estavam sentadas ao meu lado desciam a ripa nos pombinhos censurando a “pouca vergonha”, a “falta de respeito”, o “despudor” e por aí a fora...

“Essa gente sem princípios não respeita nem as crianças? Isso lá é comportamento para se exibir em público? Onde está a polícia que não vê isso? Se meu marido Tarquímedes estivesse vivo, isso não ficaria assim! Isso eu garanto!” Dizia uma delas.

Bem pertinho de mim, dois efeminados se contorciam em gestos e mímicas, caras e bocas, falando de modo afetado, procurando chamar atenção dos circunstantes. Mais adiante, por coincidência, ou não, uma linda mulher se fazia acompanhar de outra, nitidamente lésbica, masculinizada ao extremo, ao ponto de usar calças masculinas, com “braguilha” e tudo. Para que, não sei?

No meio de toda essa confusão elitista, carregadores empurravam carinhos apinhados de malas. Uns se dirigiam ao ponto de táxis enquanto outros procuravam os balcões de “check-in” das empresas aéreas.

Duas meninas acabaram de levar umas sacudidelas da mãe que, irritada, tratava de passar um lenço nos vestidinhos que estavam sujos de sorvete. As duas lambiam a guloseima, quando um velho capenga deu-lhes um esbarrão e os respectivos sorvetes se esparramaram pelas roupas abaixo... Uma verdadeira meleca!...

Marmanjos desengonçados caminhavam, relaxados, com bermudões camuflados e sandálias havaianas. Uns barbudos, outros cara lavada. Mas, todos se apresentando com ares de “donos do pedaço”. Passavam pela mulherada, numa caçada acidental que podia resultar em algum almoço ou jantar...

Três freiras carmelitas, muito sem jeito, tratavam de ler em seus breviários, as orações e rezas que pudessem salvar, pelo menos, um pouco daquela multidão pecadora. A mais velha parecia ser a madre superiora e ficava observando, com ar de censura, para que direção se voltavam os olhares das outras duas. Parecia até coisa da Inquisição! Tive pena das pobres religiosas. Não sabem do que é bom nessa vida e nem têm certeza de para onde vão, depois do “sacro ofício”!

Como se fosse um tipo de provocação, meia dúzia de evangélicos, com as Bíblias abertas ouvia, atentamente, a preleção. O homem de terno marrom surrado, o pastor, evocava os feitos de Moisés ao encarar o Faraó, antes da fuga do Egito. Disfarçados, dois seguranças do aeroporto observavam para que lado Deus torcia.

Enquanto a fauna humana se acotovelava diante dos painéis o serviço de auto-falantes, intermitentemente, se fazia ouvir, com uma voz robotizada, alertando quanto à proibição de fumar no interior das instalações. Também fazia convocações de funcionários ou passageiros para que comparecessem aos balcões de empresas aéreas.

As portas de vidro, automáticas, abriam-se num movimento sem fim, para dar saída aos chegantes, com suas malas e volumes. Uns partiam diretamente para seus destinos enquanto outros recebiam os cumprimentos e os abraços de amigos e parentes que os esperavam, assim como eu.

Lá dentro, junto à esteira que trazia as bagagens para os passageiros alguém discutia, vociferando, com um funcionário, que suas coisas haviam sido extraviadas. Estava fulo da vida, ameaçando todo mundo, dizendo que “não sabiam com quem estavam falando”, etc... etc... etc...

Mais tarde, soube-se que era o prefeito de uma cidadezinha do interior do Maranhão, que viera avistar-se com um senador amigo, em busca de algumas “benesses” políticas, a fim de neutralizar pendengas com adversários locais... Se achou as malas, ninguém soube dizer. O senador, certamente...

Uma lufada de vento passou por dentro da lanchonete apinhada trazendo para nossas narinas, um cheirinho gostoso de café expresso. Deliciei-me pensando naquele creme espumante e quentinho.

Apesar de todo esse caldo comportamental das pessoas que costumam viajar de avião, outro detalhe é interessantíssimo de se ver. Aquilo ali é uma permanente passarela. Meninas, moças e mulheres, de todos os tipos, tamanhos e cores, fazem do Aeroporto, um verdadeiro desfile de modas e tendências.

Tanto as que chegam, quanto as que saem e, principalmente, as que não chegam e nem saem vão para ali exibir seus trajes, o bom ou o mau gosto. Tem “look” para todas e para todos os gostos. Realmente, o vai-vem e das mulheres é algo fantástico, digno de um estudo antropológico ou sociológico!

Desde a sofisticada ricaça, com roupas e acessórios de grife, à “hippironga”, desleixada, com os pelos do sovaco se esvaindo em protesto ao mundo consumista. Da patricinha de shortinho apertado à perua, tipo “árvore de natal”, passando pela adolescente exibicionista empinando o tórax, para exibir os seios que ainda nem pensam direito, em chegar...

Também, circulando, estão as matronas, as gordas, as feias e as bonitas. Cada qual à sua moda, todas “se achando” e olhando para as outras por cima dos ombros, com ares de pouco caso...

Mas, o último ato do espetáculo está na profusão de “bundinhas”. Muito embora haja algumas bundonas atentatórias à estética, há bundinhas para todos os gostos enfeitando o pedaço. A mulherada se esmera na ostentação desabrida dos traseiros usando calças e shortinhos colantes, e ou, vestidos e saias marcantes no corpo. Um verdadeiro atentado à lascívia pública.

Tudo isso muito colorido, muito latino e, especialmente, muito brasileiro, com o forte condimento da carioquice que tempera o comportamento brasiliense.

Finalmente, o avião que esperava foi anunciado no painel: “Voo 6794 – Aeronave no solo”. Quinze minutos após, já estava abraçando minha mulher e saindo em direção ao guichê para pagar o malsinado estacionamento.

Acomodei a bagagem no porta-malas e toquei para Sobradinho. Já não estava mais solitário. Minha outra metade estava ali, comigo! Fomos para casa! No sábado, como sempre, estaremos os dois, no Clube da Bossa-Nova.

Para quem diz que Brasília tem pouco divertimento sugiro às mulheres, que se enfeitem e se exibam na passarela da liberação geral. Aos marmanjos, que passem umas horas no Aeroporto e vejam a concentração das bundinhas brasilienses, naquele lugarzinho que Juscelino deixou de herança para nós, candangos opcionais, vindos dos quatro cantos desse Brasilzão moreno...

Amelius

Amelius
Enviado por Amelius em 13/06/2013
Reeditado em 17/06/2019
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