O DEUS DE SETE CABEÇAS OU O TRIBUNAL DO JÚRI

Engana-se quem, ao ver o estranho título, imagine que a crônica abordará os feitos atribuídos a Brama, um dos incontáveis deuses da mitologia hindu. Na verdade, Brama é mais modesto: tem apenas quatro cabeças. Nos primórdios tinha cinco. Talvez um dia venha a ter sete. Mas esta é outra história.

O nosso deus de sete cabeças não distribui suas bênçãos e castigos à toda humanidade. Ele só se manifesta no Brasil a quem é acusado de cometer algum crime contra a vida, especialmente matar. Diferente dos deuses que habitam o Monte Olimpo, o nosso de sete cabeças mora em casas comuns, de alvenaria. Alguns em mansões. Alguns em casas financiadas pela Caixa Econômica Federal. Há ainda os que moram em residências doadas pela Agehab. E claro, há os que habitam casas alugadas.

O nosso deus de sete cabeças sente necessidade de ir à Igreja adorar a outro Deus, que considera maior e mais poderoso. O nosso deus de sete cabeças vai ao cinema, come bife com tomate, joga na loteria, exerce funções como marceneiro, farmacêutico, bancário, professor, encanador e carteiro. Exerce outras também. Diferente do Deus cristão, não tem o poder de ver o passado e nem o futuro. E também não vê o presente, caso ele passe do outro lado da parede.

Em alguns pontos, ele se confunde aos deuses do panteão grego: sente ódio, amor, gratidão, fadiga e, principalmente, se comove. Não é deus em tempo integral. Só o exerce em alguns dias do ano. Mesmo assim sob inúteis protestos.

O mais louco é que durante todo o tempo de repouso, esse deus não existe no seu formato original: as sete cabeças ficam espalhadas, cada uma cuidando de suas próprias aflições. Quando há o chamado sagrado, como num milagre, as sete cabeças se unem e proferem seu veredicto.

São cabeças que têm desejos e vícios próprios. Conceitos e necessidades diferentes. Não se falam. Apesar da proximidade não fazem conferência. Em algumas vezes caminham na mesma direção. Em outras, se enfrentam. Mas é uma luta silenciosa e cheia de mistérios. Não há vencedor nem vencido.

Diferente de deuses que atormentam e acalmam os mares, que concedem boas colheitas, que premiam fiéis com virgens no Paraíso ou ensinam o caminho da luz, o deus de sete cabeças é apenas (de um apenas absurdamente cruel) o senhor que tem em suas mãos as chaves da liberdade. Seu poder se revela em julgar se um homem é justo ou ímpio, se é puro ou imundo, se é inocente ou culpado. Se um homem é digno ou não de comer pizza aos domingos em alguma lanchonete.

Todos os homens temem sentar-se à sua frente. De seu humor, de seu discernimento brotam os caminhos que o homem, apequenado em sua cadeira de homem, deverá seguir. Para o terrível calabouço, onde espiará seus pecados ou para a louca delícia de andar pelas calçadas.

Mas há um momento em que os deuses vacilam. O deus de sete cabeças não está a salvo dessa pontual verdade. Quando cada cabeça se desvencilha do imponente tronco que lhe confere divindade e, sobre o travesseiro mais banal se repousa, recebe a visita de uma confraria de demônios com o mais sórdido arsenal de arapucas. É neste exato e doloroso momento, que dura meia eternidade, que dói ser deus.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 12/06/2013
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