SANTO ANTONIO DO CEMITÉRIO

SANTO ANTONIO DO CEMITÉRIO

(Vicente de Paulo Clemente)

Acabara de adquirir um carro numa Concessionária da cidade e me foi oferecido um brinde, à escolher: 3 dias de estadia num hotel em Búzios ou os mesmos 3 dias em Ouro Preto. Sem pestanejar optei pela velha cidade mineira e uma semana após estava viajando com minha esposa para lá, à bordo do carrinho, todo contente.

Lá, passamos por bons momentos, visitando e conhecendo Igrejas e imagens sacras obras do Mestre Aleijadinho, além de grandes caminhadas pelas ladeiras centenárias, de calçamento irregular de pedras gastas pelas pisadas de turistas, estudantes e residentes, através dos anos.

Antes do retorno, visitamos uma loja de artesanatos onde conferimos algumas imagens e obras outras em pedra-sabão. Encomendamos, então, uma imagem de Santo Antonio, de cerca de um metro de altura, que nos seria remetida posteriormente. Negociamos o preço e saímos satisfeitos pelo bom negócio.

A imagem do Santo português, (nascido em Lisboa) que ficou mais conhecido como Santo Antonio de Pádua, visto haver ganhado notoriedade na Itália (Padova), nos foi entregue no prazo combinado e a levamos até ao Cemitério Municipal, para substituir outra imagem do mesmo Santo Antonio, (esta feita de cimento) que ornava o túmulo 13 onde guardava os restos mortais de familiares de minha esposa. Com jeitinho o pedreiro sacou a velha imagem, que levamos até a oficina de um artesão amigo, para reformas, nova pintura e instalou no pódio, sobre o túmulo a nova e bela imagem do Santo, em pedra-sabão esverdeado, dando mais dignidade ao local.

Meses se passaram até que um novo Santo Antonio de cimento e recém pintado nos foi devolvido restaurado. Então, partimos para o Cemitério para fazer a troca. Lá chegando, pedimos autorização à administração para o serviço, como já fizéramos anteriormente, para cumprir as normas. Fomos recebidos com grande constrangimento pelo funcionário de plantão, que muito sem graça, tentava nos explicar que a imagem fora roubada há mais de 20 dias e que estavam envidando esforços para elucidar o crime perpetrado numa noite onde mais cruzes, crucifixos e peças de bronze foram levados dos túmulos daquela área antiga do Cemitério. Que fazer, senão instalar a velha e pesada imagem de cimento de volta ao seu lugar primitivo e aguardar notícias dos funcionários do Cemitério?

Aqui no Brasil, Santo Antonio é invocado como Santo Casamenteiro, mas, na Itália, essa função é de San Valentino e Santo Antonio é conhecido lá, como Santo que encontra coisas perdidas e por nossas bandas esta é uma missão para São Longuinho.

Ficamos aguardando comunicado da administração do Cemitério, enquanto orávamos pelo Santo Antonio italiano, pedindo solução para aquele roubo. Não passou nem uma semana, quando nos telefonaram dizendo que a Polícia havia apreendido uma imagem, que poderia ser a nossa, informando que deveríamos comparecer à Delegacia para o reconhecimento...

Imediatamente partimos para lá e fomos recebidos por um inspetor, que nos relatou a seguinte estória: - Numa madrugada, a viatura da Polícia Militar passava sob o Viaduto, lá perto da Praça Antonio Carlos e depararam com um homem levando um volume às costas. Ao avistar a viatura, tentou correr, mas não conseguia desenvolver, visto o grande peso que levava. Com receio de ser pego, largou o volume no chão e se escafedeu. Os policiais abriram então o saco e se deslumbraram com a bela imagem, “em bronze”. Era isso que constava no Boletim de Ocorrência, que terminava informando que era uma imagem de São José com o Menino Jesus ao colo. Então, complementou o Inspetor, não seria esta a nossa imagem, visto que a nossa seria de Santo Antonio. Ficamos “encafifados” e pedimos para ver a imagem objeto do “BO”, ao que ele disse não ser possível, pela simples razão de que se ficasse naquele cômodo, cheio de bicicletas, quinquilharias resgatadas de roubos, a imagem seria fatalmente vandalizada. Como o Delegado gostava de obras de arte, havia levado a imagem para casa, para resguardá-la. E agora, como provar que nosso Santo Antonio fora preso por engano e se travestido de São José? Afinal, deve ter havido identificação falha, visto que ambos são retratados com o DEUS MENINO nos braços. Como advogado, fiquei matutando uma maneira de impetrar um “habeas corpus” para nosso Santo interditado na casa do Delegado.

De tanto insistir e argumentar, conseguimos que o Inspetor nos fornecesse o número do telefone do Delegado e telefonei para ele, dizendo de nossa aflição e de nossa maratona desde Ouro Preto até aquele momento. Parece que o homem era sensível realmente e nos confessou que sabia ser uma imagem de Santo Antonio e como sua esposa era devota, levou para casa para não deixar estragar naquele depósito caótico da Delegacia. Sem problemas, ele nos devolveria a imagem, desde que levássemos o recibo ou nota fiscal da compra da loja de Ouro Preto. Precavidos, já estávamos com o documento em mãos e já havíamos mostrado ao Inspetor.

Combinamos que eu iria até ao apartamento do Delegado e ele me entregaria a imagem, mas somente após as 13 hs, momento em que estaria em casa. Morava no 13 andar do edifício.

13 horas e 13 minutos estava eu chegando à portaria do edifício e ao começar a falar com o porteiro, nem precisei terminar; ele foi até uma mesinha ali pertinho e veio cambaleante com nosso Santo nos braços, dizendo que o Dr. “?” havia saído e que deixara ordem para entregar a imagem. Nem precisei me identificar formalmente nem apresentar a nota fiscal, restando no ar o constrangimento de todo aquele processo.

Nem olhei para os lados, abracei o Santo, o deitei no banco traseiro do carro e acelerei. Hoje, o Santo Antonio de cimento guarnece o túmulo 13 do Cemitério e o São José, ops, Santo Antonio, de pedra-sabão esverdeado, que enganou o ladrão, que o roubou como se fosse de bronze, pesadão, está em meu quintal, tranquilão e é uma festa para os netinhos...

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Vicente de Paulo Clemente