A cidade pensada
A CIDADE PENSADA
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 12.06.13)
Volta-se a pensar a cidade aparentemente com alguma originalidade: sem a pretensão de "congelar" o que existia antes (até porque muito do que havia e era digno de conservação já foi posto abaixo) e sem aceitar novos aterros antes de usar decentemente os muitos já feitos (ainda que despidos de qualquer planejamento).
A muitos convém cultivar os mitos da falta de segurança (para trocar as casas e seus terrenos por enormes edifícios, e para vender segurança e suas bugigangas) e da inoperância e ineficiência do poder público (a fim de que a iniciativa privada - o mercado - assuma espaços e serviços em nome do lucro, não do cidadão; a concessão da BR-101 é apenas um exemplo próximo).
Analisando "Da Utilidade e do Inconveniente da História para a Vida", Friedrich Wilhelm Nietzsche considerava que "é o homem superior e experiente que escreve a história. Aquele que não teve em sua vida acontecimentos maiores e mais sublimes do que tiveram seus semelhantes não está à altura de interpretar o que houve no passado de grande e de sublime. A palavra do passado é sempre palavra de oráculo. Não a compreenderão se não forem os construtores do futuro e os intérpretes do presente."
De acordo com o filósofo alemão, é imprudente supor que o ápice da história é hoje; que testemunhamos o cume da civilização; que todo o passado teve como objetivo chegar ao que somos; e então congelar tudo. No mínimo, isso significaria o início do declínio, e não é assim que o mundo funciona.
"É necessário opor aos efeitos da história os efeitos da arte e é somente quando a história suporta ser transformada em obra de arte, tornar-se um produto da arte, que pode conservar instintos e talvez até mesmo despertar instintos." Para Nietzsche, a destruição e perda dos instintos, em nome de um comportamento que ele chama de "razoável", era um problema que detectava já no homem do século 19: "A partir de então, ele não pode mais confiar nesse 'animal divino' e soltar as rédeas, quando sua inteligência soçobra e o caminho atravessa o deserto".
A sensação que fica é que o prefeito Cesar Junior decidiu romper as amarras sempiternas que prenderam no acanhamento e no descaso sucessivos governos municipais (quando não foram alimentados por interesses escusos e recursos ilegais) ao revelar seu projeto de humanização do aterro da Baía Sul, no Centro da cidade, retirando dali sambódromo, centro de convenções, garagens de ônibus e estacionamentos, conforme informou Moacir Pereira na edição de domingo do "DC". Um grande bulevar, com parques e jardins, ocupará o espaço recuperado; duas marinas serão construídas na orla. Isto, por si só, já torna ocioso aterrar a Ponta do Coral, apagando um resquício de contorno natural ainda sobrevivente no litoral urbano, para a instalação de hotel e marina (a propósito: se o terreno da Ponta do Coral foi vendido um dia pelo governo do Estado, por que o Município terá de pagar por ele se quiser transformar a área em parque público?). Mais ainda: o camelódromo irá abaixo, a fim de deixar à mostra o casario português remanescente que ficava à beira do mar, e entre o Mercado e a atual rodoviária surgirá uma galeria subterrânea com um amplo complexo gastronômico, comercial e cultural.
Com essa revelação, nós é que soltamos as rédeas imaginando enfim uma senhora cidade que guarda o passado voltada para o futuro - e pensada para o ser humano. Tem crédito para tanto um prefeito que acaba de criar enfim a tão sonhada Secretaria de Cultura.
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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.
"Somente teremos discussões salutares neste País se respeitarmos a História."
Eu Mesmo, em 17.04.13, respondendo a "e-mail" sobre golpe de 1964 e ditadura de 21 anos.