UMA CAMISA CHINESA-LIVRO 1

UMA CAMISA CHINESA

Eu havia mandado fazer uma camisa estilo chinês, tipo mandarim. Era cinza, com meia gola ( aquela gola que fica em pé, arredondada ao lado do pescoço), mangas compridas sem punho. A Lúcia se apoderara da camisa e gostava muito de usá-la. Estava com ela nesse dia. Fiquei esperando na praça Barão do Rio Branco, na calçada do lado de onde ficava o Restaurante Itapura. Pensamentos mil, expectativa, apreensão. Era o que eu sentia, parado na praça. O laboratório ficava na esquina de Rua Frei Gaspar com a XV de Novembro, uma quadra abaixo do lado oposto de onde me encontrava. Lembro-me de vê-la se aproximando, com o resultado do exame na mão e os olhos, normalmente grandes, maiores ainda, com um ar de interrogação, medo, susto e insegurança. Deu-me o exame, para que eu constatasse o que ela já sabia: resultado positivo. Foi assim que eu soube que você, Marcelo, existia. Abraçamo-nos e choramos. De alegria, de medo, sem saber o que fazer. Não lembro ao certo dos momentos seguintes, pois esse instante em que tomei ciência que havia um ser humano a caminho, sendo preparado para nascer, e que eu iria ser seu pai, foi tão marcante a ponto de me deixar fora do ar, pois nada mais importava: eu ia ser pai. Existem momentos na vida que somos levados a pensar exclusivamente em nós mesmos, pois acontece algo que nos obriga repensar, a replanejar, toda a nossa vida. E isso só é possível se focarmos fortemente em nós mesmos. Assim aconteceu comigo. “O que fazer? Como fazer?” À noite, reunião de diretoria no meu quarto: eu, Sérgio Heleno e Di Renzo. “ –Tenho uma coisa a contar para vocês: a Lúcia está grávida. Fez exame e deu positivo.” Os dois me olharam e ficaram sérios. Começamos a analisar o assunto. Éramos três amigos inseparáveis na época: no surf, na praia, nossas namoradas eram amigas. Cada um deu sua opinião e me conscientizei de que não tinha o direito de esconder o fato: teria que falar com meus pais e, mais difícil ainda, com a mãe dela. Comecei comunicando ao meu irmão. “- Temos de falar com o pai.". Meu irmão Henrique tinha um fusca bege. Fomos a casa onde eu morava com meus pais e chamamos meu pai para um passeio. Paramos na rua Martim Afonso, o Henrique desligou o carro, virou para o meu pai, que estava no banco do carona, e sutil como um elefante numa cristaleira, disparou: “- Pai, a Lúcia está grávida.” Meu pai virou-se lentamente para mim, que estava no banco traseiro e disse: “-Ééééé...Um homem tem arcar com as consequências de seus atos.” Essas palavras confirmaram o que eu sabia que ia fazer mas, com 21 anos, ainda não havia tido a coragem de dizer a mim mesmo: “ Vou ser pai, vou casar, vou criar meu filho. Parar de estudar, jamais. Vai ser muito difícil, mas será pior se eu não tiver uma formação”. Eu fazia cursinho para o vestibular de engenharia e tinha mil planos: de ser cientista, professor de faculdade, de ser um novo Einstein e essas coisas próprias dos jovens: buscar o melhor para conseguir o bom. Nesse planejamento todo incluí de imediato dois novos participantes: meu filho e sua mãe. Eles iam ser meus parceiros e, com certeza, a presença deles só iria me fortalecer. Hoje vejo que isso funcionou. Sem a motivação de ter pessoas com quem contar, tudo fica mais difícil. E eu havia arrumado um supermotivo: uma família, um filho, e todo o comprometimento que isso traz. Dessa parte para frente, você já conhece, Marcelo. Curitiba, muita luta, sempre com foco em dar condições decentes para nós e me formar. O que eu quero é que você saiba que, embora involuntariamente, você foi essencial para eu ser o que sou hoje. Todas as minhas expectativas foram superadas por você. Um ser humano e tanto. Parabéns pelo seus 45 anos, Marcelo. Te amo

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 11/06/2013
Reeditado em 09/10/2021
Código do texto: T4336746
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