Reflexões a partir do Estatuto do Nascituro
Entro nesta discussão sabendo que o terreno onde piso é instável e delicado. Esta lei toca em um assunto extremamente complexo, profundo e que está permeado pelo campo da ética e da moral. Ciente disto, minha intenção neste escrito é proporcionar reflexões que nos ajudem a pensar sobre o tema em questão. Ao longo deste texto, apresento meu entendimento, mas deixo claro que caberá ao leitor ou à leitora decidir sobre qual posicionamento será o melhor a ser seguido.
Inicialmente quero propor que você leitor ou leitora reflita sobre a seguinte questão: imagine que você tem um vizinho de 50 anos de idade e vocês se dão bem. Hoje recebes a notícia de que esta pessoa foi acusada, com provas cabais, por inúmeros crimes de estupro, praticados há vinte anos. Acharias justo que ele seja julgado e condenado, hoje, a pagar pelos crimes que cometeu no passado? Esta é a primeira reflexão que faço. Não vou dar a resposta, deixarei para você pensar antes de seguir na leitura do próximo parágrafo.
A segunda reflexão é a seguinte: imagine que você leitor ou leitora, independente da idade que tiver, descubra que é filho de um estuprador e que tua mãe te concebeu contra sua própria vontade, sabendo que se dependesse somente dela você seria abortado. Achas que seria justo seres condenado, hoje, à pena de morte, sem chances de defesa, por teres sido fruto de uma violência física e sexual contra a tua mãe há anos atrás? Neste momento eu gostaria que refletisses sobre isto também. A partir de agora, vou me posicionar.
Minha resposta para esta pergunta é: “Não! Não seria justo seres condenado!”. Por quê? Porque és inocente, não cometeste crime algum, não infringiste lei alguma. Não existe argumento plausível que te condene à pena de morte.
Lendo as mensagens que estão sendo publicadas nas redes sociais, percebo que muitas pessoas estão se manifestando contra o “Estatuto do Nascituro”, utilizando como argumento o fato de que a mulher que for estuprada não terá o direito de abortar a criança que estará sendo gerada no seu ventre contra a sua vontade. Concordo que o estupro é um crime hediondo abominável e concordo que a mãe tem todo o direito de sentir rejeição por aquela criança que acabou sendo concebida no ato do crime. Porém, o que vejo de problema no argumento utilizado está sendo o tratamento que estão dando para o nascituro. Estão tratando-o como um criminoso. O estuprador comete o crime e o nascituro recebe a pena de morte. Não vejo o aborto como sendo a alternativa mais plausível para resolver este problema.
Imagino que o leitor possa me perguntar: “E se fosse com alguém da tua família, aceitarias o parto?”. Eu respondo: Não sei! Digo não sei, por saber que em certas situações só reconheceremos a nossa reação após acontecer algo com alguém próximo a nós. Agimos por emoção e a razão fica adormecida. Porém, quando uma lei está sendo constituída, esta não deve estar pautada somente pela emoção, mas também pela razão. E é disto que não podemos esquecer. Então o leitor poderá me perguntar novamente: “E o que propões, então?”.
Embora eu não seja um estudioso do assunto, proponho inicialmente duas alternativas: 1ª) Que exista uma batalha intensa contra o crime de estupro. O que me parece que está acontecendo na nossa sociedade é um conformismo, uma aceitação de que o crime de estupro está aí e que não há nada para ser feito. Só nos resta pensar em alternativas para remediar os frutos que este crime “imbatível” está semeando. Discordo! Está certo que acredito que medidas paliativas devem surgir enquanto o crime ainda exista, mas a luta pela erradicação deste tipo de crime deve ser ampliada cada vez mais. 2ª) Que se realize uma pesquisa (e aqui as Universidades podem ajudar), entrevistando pessoas que nasceram de uma relação de estupro e que hoje estão convivendo socialmente entre nós, mães que abortaram filhos frutos desse crime, mães que conceberam seus filhos gerados a partir deste ato, entre outras pessoas que estiveram envolvidas diretamente com este problema em suas vidas. Acredito que estas pessoas são uma das maiores autoridades no assunto e poderão nos dar argumentos importantes e necessários para pensarmos o aprimoramento de uma legislação que assegure o direito à vida para o nascituro, ao mesmo tempo em que protege e oferece uma condição de vida salutar às mulheres que já sofreram o estupro e se encontram diante da decisão de abortar, ou não, o embrião que está sendo gerado. Paralelamente, deverão estar sendo construídos projetos que visem à erradicação do respectivo crime.
Sei que o assunto não termina por aqui. Espero que esta reflexão ajude cada um e cada uma a pensar sobre o Estatuto do Nascituro. Não com a intenção imediata de aceitá-lo ou rejeitá-lo, mas sim de problematizá-lo, para que daqui a algum tempo possamos construir argumentos mais sólidos em defesa dos direitos dos seres humanos como um todo; incluindo o nascituro, que, em certo momento da vida, nós, que estamos lendo este artigo, já fomos também.
*Publicação da primeira parte: "Reflexões a partir do Estatuto do Nascituro ( parte I )" <http://www.diariopopular.com.br/index.php?n_sistema=3051&id_noticia=Njk0NTk%3D&id_area=NA%3D%3D>. Em: 12 jun. 2013.
**Publicação da segunda parte: "Reflexões a partir do Estatuto do Nascituro ( parte II )" <http://www.diariopopular.com.br/index.php?n_sistema=3051&id_noticia=Njk1MzQ=&id_area=NA==>. Em: 13 jun. 2013.