Eu moro num país bissexto.

Eu posso me identificar como cidadão X. Brasileiro nato, filho de outros sofredores daqui. Não gosto de carnaval e de futebol, logo não sou "bom da cabeça e sou ainda doente do pé". Anormal. Além disso sou crítico. Vixe Maria! Danou-se de vez!

Cheguei a uma conclusão sobre o meu país, o país do gingado, da malemolência, do jeitinho: tudo aqui só acontece de quatro em quatro anos. O ano não é bem bissexto, aquele ano que tem um dia a mais, mas o país o é e o é faz tempo! Bissexto! Tu acreditas? Só funciona quando tem futebol: aí tem violência, tem estádio cheio, tem copa do mundo, tem patriotismo, briga encomendada, política na rua, morteiro na cara de boliviano e tratamento de herói para os suspeitos. Veja só que tolice nascer brasileiro e não achar graça nisso tudo.

Mas eu, Cidadão X, brasileiro que sou, não desisto nunca. Não desisto de forma alguma. Já estou com a minha passagem comprada para a Chapada Diamantina, numa cidadezinha por detrás de lá, bem aconchegante, e o melhor: sem axé, sem roda de samba improvisada, sem pagode desafinado e sem TELEVISÃO! Que beleza! Acho que vou, por um mês, estar no paraíso. Nem jornal eu lerei. Até porque jornal só passa notícia futebolística. É no Brasil que futebol é capa de jornal e o resto? Bem, é melhor nem dizer para onde vai.

Eu encontrei na rua uma senhora que dizia que ia pintar as ruas do Brasil como a Coca Cola pintou as latas. Ué, se for assim vai ficar horrível. Sem contar que você vive numa ditadura de opinião: por que não pintar de azul e vermelho? De branco e preto? De cinza? Não pode! A senhora fica ofendida e diz que é bobagem você falar em seleção e não ser patriota. Eu tento, em vão, explicar a senhora que patriota é quem luta pela pátria e que o fascismo bissexto do Brasil em volta de onze cidadãos que juntos poderiam, com os seus módicos salários, resolver os problemas da educação de boa parte do país mensalmente, é só mais uma forma de manter a ela e a todo mundo perdido como cego em tiroteio. Ela olhou pra mim e deu de ombros com um muxoxo engraçado e eu olhei pra ela e disse: vá lá minha senhora que eu vou desligar a TV da tomada para não correr o risco de ela ligar sozinha.

Dia de domingo eu quero descansar e ler um bom livro, sair com a minha namorada, andar pelo calçadão de uma praia, mas não posso. Tem sempre alguém assistindo um jogo maldito. Tem sempre alguém perdendo tempo com besteira, ah nem isso eu posso dizer! Já sou doente do pé e vou ser considerado doente do juízo! É sempre anormal quem pensa diferente né?

Quando chegar o dia em que eu possa viver tranquilo sem ninguém encher a paciência com essa falta de sentido que é só existir por um mês, aliás dois - carnaval e mês de copa do mundo - por ano e viver nessa pasmaceira sem poder pensar diferente nem sequer ter uma opção, aí sim você me fala se não é triste ser brasileiro com o gosto apurado. Por que você aí que me lê pode até gostar muito, mas muito mesmo de futebol e de carnaval, mas dizer que não existam coisas mais importantes? Será que você diria isso pra mim? Ah, eu espero daqui a quatro anos que é quando você e o resto do país podem falar alguma coisa...

Cidadão X.

Tato Silva
Enviado por Tato Silva em 10/06/2013
Código do texto: T4333854
Classificação de conteúdo: seguro