OUT-DOR HUMANA!
Era um final de tarde ensolarada dum domingo de outono, daqueles sóis que nos amornam e depois de nós se despedem devagarinho qual o lirismo dum poema, sem olhar para trás.
Enquanto eu descia a minha rua, naquela mesma esquina da pirambeira, eu a avistei ao longe, supina e alerta como uma guarda suiça, sempre no mesmo lugar de costume.
Ela não era a única por ali e tal destino já motivou minhas crônicas das ruas, todavia, ela me chamou demais a atenção pois trazia consigo uma placa propaganda maior que ela, um desses outdoors de empreendimentos imobiliários de luxo espalhados pela cidade, e assim que passei por ela percebi na sua face um aspecto de dor.Ligeiramente cedeu na postura corporal.
Parei para papearmos no diálogo que segue:
-Olá, boa tarde, tudo bem com a senhora, parece com dor? -observei que já engolia um comprimido com um pouco de água da sua garrafinha pet que trazia na mochila.
-Ah, boa tarde, sim, senti um tranco na coluna, tenho quatro hérnias de disco.
--E a senhora fica quantas horas em pé?
-Fico das nove até às dezessete.
-E as suas hérnias, aguentam ese tempo todo?
-Até que aguentam, doem mais quando deito a noite, mas esse remédio me segura a dor até amanhã.
-A senhora tem direito à alimentação?
-Não, trago minha marmita.
-E à condução, tem?
-Não, tiro do dia.
-E me desculpe a intromissão da pergunta mas...quanto lhe pagam pelo seu trabalho?
-Trinta e dois reais e cinquenta centavos.
-Não acha pouco demais?
-É pouco, mas não tenho emprego, pago aluguel e tenho quatro netos em casa e a saúde já não aguenta mais o serviço de diarista que fui e é muito difícil se empregar com cinquenta e três anos...
-Percebo que a senhora se iluminou ao falar dos seus netinhos?
-Meus netos são a minha vida -me falou lacrimejando- e quando somos mães quase nunca temos tempo para os filhos...
Parei estupefata para meditar sua causa...e confesso que olhei para mim.
Assim que me despedi daquela jovem senhora batalhadora das ruas deixei-lhe algo que levarei comigo, porque não convém dar publicidade aos pequenos atos do coração.
Relato que daquele outdoor humano” emanava tanta dor que também não sei discernir se doeu mais nela ou se doeu mais em mim.
Às vezes é muito difícil conceituarmos o que é trabalho, mesmo num chão-pátrio que tanto prioriza o palco do ser trabalhador.
Out-DOR humana: ainda que fosse só na poesia, lá no cerne das tristes letras mudas, há trocadilhos que poderiam inexistir.