PÁSSAROS FERIDOS

Aos onze anos, eu não tinha o costume e nem sabia, como os outros meninos, capturar pequenas aves em alçapões e arapucas. Mesmo assim, fiz uma grande e forte arapuca e a armei sob densas galhas de arbustos, no meio de uma pequena mata próxima à minha casa.

Frustrado, eu nunca conseguira capturar um minúsculo tizil sequer; enquanto os outros meninos sempre tinham suas gaiolas e viveiros cheios de rolinhas e outros pássaros. Deixei a arapuca no local estratégico, espalhando fubá e canjiquinha ao redor, criando uma trilha até a arapuca.

Ao crepúsculo, sem poder conter a ansiedade, fui correndo ao local da armadilha; e, para minha maior surpresa, estava lá, capturado, um belo e admirável inhambu. Eu mal me contive de tanta alegria. Logo segurei o animal com cuidado para não machucá-lo, pois ele esperneava tentando bater as asas, e fui correndo a exibi-lo imediatamente aos outros meninos que, pasmos com o meu sucesso, queriam logo trocá-lo por seis, sete e até dez outras pequenas aves. Recusei todas as propostas, deixando-os com os olhos brilhantes de inveja.

Em casa, coloquei-o em uma grande gaiola. O provi de água e comida à vontade. Para meu espanto e infelicidade, o bicho nem quis saber de água ou de comida. Do estrado da gaiola, em desvairada determinação, lançou-se contra a estrutura de arame da parte superior da gaiola, vindo a cair tonto. Outra vez arremessou-se em resoluta determinação, vindo a cair novamente. Vi que o animal iria se machucar, mas nem mesmo a dor intensa que sentia, fazendo-o tremer, foi capaz de impedi-lo de lançar-se outra vez contra o aramado da gaiola. Desta vez, com a cabeça já sangrando, ele hesitou um pouco antes de arremessar-se contra a gaiola. Mas eu estava equivocado, ele não havia desistido nem estava hesitando, só estava muito fraco. Logo que se refez das pancadas contra a estrutura de arame, arremessou-se mais uma vez, sangrando ainda mais a cabeça. Meu semblante se desfigurou, meu coração apertou de dó, enquanto eu tentava, em vão, acalmar o bicho para que ele desistisse de se ferir, dando tantas pancadas contra si mesmo. Ele não desistiu de lançar-se contra a gaiola, faria isso até morrer, porque era da sua natureza ser livre. Ele não conseguia compreender que agora teria que viver recluso em uma minúscula gaiola. Se ele não conseguisse ser livre, morreria tentando. Sua filosofia de vida era como a de Dom Pedro I: “Independência ou morte!”

Penalizado com a situação do bichinho, compadeci-me dele. Retirei-o da gaiola, segurando-o com muito cuidado. Limpei o sangue, que já lhe escorria pelos olhos, coloquei tintura de iodo na ferida, e fiquei segurando-o envolto em um paninho, até que a ferida desse sinal de estancamento do sangue, parecendo que se secaria. Apesar das pancadas, ele ainda estava bastante arisco, isso era bom; pois, ele queria ir embora, certamente teria filhotes a alimentar, e eu, em minha tentativa inútil de aprisionar o animal, estava fazendo uma família inteira de inhambus sofrer. Eu e ele éramos pássaros feridos.

Levei-o a noite ao mesmo lugar em que o capturei, pedi desculpas a ele, dizendo-lhe que não o fiz por mal, e em seguida o soltei, o qual saiu em desembalada carreira entre os arbustos, sumindo no meio do mato.

Durante muitos dias voltei ao local da captura e libertação do inhambu; não mais para capturar os bichinhos, mas eu levava comida e a espalhava por ali, para o ex-capturado e outros pássaros se alimentarem, tornando-me de quebra, um São Francisco de Assis. Além disso, passei a quebrar as armadilhas dos outros meninos, e, se houvesse nelas algum animal capturado, eu ainda os libertava, com muita satisfação.

Extraído do meu livro: O Cronista

Naassom
Enviado por Naassom em 08/06/2013
Código do texto: T4331587
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