QUAL É MELHOR E POR QUE?

Andando no shopping há alguns dias, percebi algo. O shopping lotado e barulhento como sempre. Vi uma criança que se aproximava. Ela não olhava para ninguém. Só via o chão, provavelmente concentrada em algo que lhe causou curiosidade. A mãe, não tão atenta a ela, puxou-a pelo braço, dizendo-lhe “você quase atropelou o cavalheiro”. E, logo depois, pedindo desculpas ao senhor. Não, eu não sou esse senhor. A criança, um pouco taciturna e enfastiada, sentiu-se ofendida porque a mãe a havia puxado. Talvez por sentir-se dependente ou por sua mãe tê-la machucado. Mas isso não importa muito para a sequência dos fatos.

O cavalheiro a que me referi há pouco também andava distraído e, por isso, não vira a criança. Ele já andava assim há vários minutos. Quem o houvesse seguido por algum tempo poderia até pensar que era sonâmbulo. A verdade é que não era. Sua saúde era melhor que a da maioria. Sua vida também não era ruim. Um pouco tediosa, mas tinha seus momentos prazerosos. O que o havia deixado assim ainda não havia sido bem assimilado por ele. Envolvia outra pessoa – não importa o gênero dessa pessoa – que também não havia assimilado bem a situação. Num surto repentino, ele sentira um desejo incontrolável de bater nessa pessoa. Por ser incontrolável – ou seja, não podia controlar o impulso – batera nela. Esse evento também não é de grande importância, mas não queria que minha narrativa fosse muito curta. Afinal, quem gosta de narrativas curtas?

Ele continuou andando tranquilamente, enquanto a pessoa em quem batera permaneceu estática – ou extática, talvez – no chão. Ela sentira até um certo prazer nesse ato violento. Não era masoquista. Apenas sentira um certo prazer nessa situação. Situações sem sentido e sem explicação lhe causavam certo prazer. Gostava de imaginar as causas de tudo. E era melhor ainda quando não havia nenhuma pista.

Começou achando que o confundira com outro indivíduo. Todavia, sua aparência não era nem um pouco comum. Tinha olhos verdes meio biliosos, parecidos àquela cor que a urina apresenta quando está bem concentrada. Seu nariz era normal, mas sua boca era um pouco torta. Seu cabelo era branco coma a neve, mas não saberia dizer se a cor era artificial ou natural. Depois, pensou que, talvez por influência de Memórias do Subsolo, o cavalheiro só tivesse sentido um ódio profundo por ela ao vê-la, mas, diferentemente do que geralmente ocorre, extravasou seu ódio. Porém essas alternativas pareciam improváveis.

Voltando a ele – o cavalheiro. Nunca sentira tanta raiva em sua vida, mas também nunca sentira algo sem motivos. Parecia que, ao ver aquela pessoa se aproximando, ele tivesse sido pressionado por alguém superior a agir daquele modo. Ele tentara controlar o impulso; mas como já disse, era incontrolável. Logo após quase atropelar aquela indefesa criança conseguiu compreender seu impulso. Era culpa daquela sensação que sempre tivera de impotência, de submissão. Essa era a primeira vez em sua vida em que se sentiu no controle de sua vida. Sempre fizera aquilo que as pessoas mandavam. Seus pais, seus chefes, suas namoradas, os policiais, até aqueles bandidos que o ameaçavam. Mas que sensação falsa ele teve. É tão fácil dominar alguém indefeso. E foi isso que ele fez. Continuaria a ser o mesmo homem submisso e bilioso, talvez um pouco relaxado, mas nunca feliz, nunca no comando de sua vida.

Já estava no estacionamento, chegando a seu carro. Estava abrindo a porta do carro quando viu um carro se aproximando de um jeito estranho. Parecia que o perseguia. O carro já estava indo embora. Subitamente ele se jogou no chão e o carro acelerou nesse momento.

Aquela pessoa em quem batera saiu do carro para ver o que havia acontecido. Cuspiu no rosto daquele verme. Pegou uma faca que levava sempre consigo, cortou seu falo e o colocou em sua boca. Talvez fosse inspirado em A Guerra do Fim do Mundo. Lentamente, com um sorriso no rosto, entrou no carro e foi embora.

Era essa cena que a criança havia imaginado quando quase atropelara o cavalheiro. Era isso que a mantinha tão distraída.

Ou

Como toda criança, achava um espetáculo de infância passear de carro. Era por-se um instante voasse. Aquela voraz vontade de balbuciar ao encontro do volante? Mas só quando crescer. Pois bem, apresentação sempre foi chata, eu amava carros e seus deleites.

À presença de minha mãe e ao suspiro de minha irmã, eu e toda aquela família tachada de " buscapé", íamos todo domingo visitar, em uma casa antiga, meus avós. Era o momemto de natal da família ao decorrer do ano; denotava união, mesmo quando pegara as bonceas de minha irmã para escondê-las. Que seja. Íamos sempre de carro. Aí que vem o ponto, chamado de ponto-chave, esses hífens chatos da Lín-gua-Por-tu-gue-sa.

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Detalhes Adicionais

Era essencial dançar ao olhar do automóvel acelerando, deixando para trás aquele asfalto, aquela vida. Vinha sempre à cabeça. Que estranho.

Uma ocasião, eu, completando os 15 anos de idade, velho para uma criança, juvenil para um jovem, ia mais uma vez com aquela perseverança de garoto, encontrar o carro, a pista, o chão, a vida; os avós também. Era um sol de mais ou menos meio-dia, havia esquecido o relógio, que já era velhinho que só. E a preguiça para comprar um novo? Eu já havia passado de estação na rádio umas vinte e tantas e poucas vezes; isso é muito. Estava inquieto, agoniado, travesso, brejeiro, estava tipo eu. Repentinamente, preparei o pescoço e, em palmas de uma pláteia viva como as mangueiras da estrada, olhei pela janela do carro: Lá estava o chão. Parecia que o asfalto estava gritando para não acelerar, deixando-o só. Ele se parecia tanto comigo antigamente.Era tão indefeso, tão pequeno. Dentro de um carro, em uma ironia de ser levado pelo que levo; sarcástico.

Gabriel Malheiros
Enviado por Gabriel Malheiros em 07/06/2013
Código do texto: T4330429
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