A ANGELITUDE DE AUGUSTO DOS ANJOS

A ANGELITUDE DE AUGUSTO DOS ANJOS

Aclibes Burgarelli

Pensamento. A razão da vida humana é a morte; entendida como desencarne, contudo, é pela morte que se conhece a razão da imortalidade da alma. Os apegos à vida humana embaraçam a angelitude da ascensão espiritual, porque se frutificam na imperfeição de quem não quer se desligar dos acidentes da vida material, sabidamente limitada.

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos veio à terra, por gestação da genitora Dª Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos, a sinhá mocinha do Engenho de Pau D’Arco, na Paraíba, onde, no dia 20 de abril de 1884, em companhia do marido e pai do bebê, o advogado Alexandre Rodrigues dos Anjos, a família era aumentada e que se completou com o nascimento de um total de seis filhos. Augusto era o terceiro na linha da prole.

Nesse mesmo dia, por ironia das vibrações humanas, o Papa Leão XIII editava a CARTA ENCÍCLICA HUMANUM GENUS, com ataques violentos e de desespero contra a Ordem Maçônica que estava a nortear os rumos do Brasil em direção à República, por ações e manifestações de expressivos vultos da história republicana do Brasil, dentre os quais o tio materno, de nome Adolfo Generino Rodrigues dos Anjos, reconhecido maçom que, por causa de desentendimentos familiares com estes rompeu relacionamento e mudou de nome; passou a ser chamado de Generino Rodrigues. Ao menos na estrutura intelectual da criança que então vinha à luz, o apelo papal, eivado de egoísmo, não anunciava êxito histórico e a República foi aceita com o dístico Ordem e Progresso, de inspiração positivista.

Quando da estada de Augusto, no Rio de Janeiro, por volta de 1911, já então com 26 anos de idade e casado com Ester Fialho, escrevera à sinhá mocinha, como sempre o fazia por causa da dependência afetiva à mãe, para noticiar que seu tio era considerado o melhor amigo e com quem mantinham, o poeta e sua mulher, firme relacionamento e dedicado trato a questões filosóficas; o tio, mais ou menos no mesmo caminho intelectual do pai do poeta, o Dr. Alexandre, era adepto da filosofia positivista de Comte; fora militante republicano e devotado à poesia científica, fruto do positivismo científico e natural.

Se houve influência positivista, naturalista e científicista do tio no espírito do sobrinho, há que se considerar que, tirando dez anos da idade de Augusto para voltar aos 16 anos de idade, no período em que os estudos do menino eram de responsabilidade do próprio pai e por ele ministrados com excessivo rigor, não se pode afastar a realidade cultural e intelectual do mestre paterno. Fora ele afeto às melhores leituras da época; dominava vários idiomas; estudara obras predominantemente ligadas ao positivismo e ao existencialismo. Cuidou com firmeza de sua formação e decidiu passá-la aos filhos; contudo, essa linha o afastara dos negócios na fazenda açucareira, de modo que o alcançou a crise que, no fim do Século XIX, abatera o Brasil. Narram os pesquisadores que o Dr. Alexandre Rodrigues dos Anjos, pai de Augusto, era pessoa que tinha aversão ao ser humano e à natureza humana em geral. De todos desconfiava e tinha tendência para antipatia: verdadeiro misantropo.

Verifica-se, portanto, que a infância e a juventude do poeta sofreram influências do naturalismo, do existencialismo e do austero comportamento do pai, ao lado das crises depressivas da mãe que, durante a gravidez do poeta, padeceu de forte abalo com a morte de um irmão, estudante de medicina. A idade intermediária, isto é o período durante o qual cursou a Faculdade de Direito do Recife, academia onde ingressou em 1903 e fez o curso vago, com aprovação esmerada; no entanto não se dedicou à profissão do pai, advogado, mas ao magistério.

Retome-se para lembrar que Augusto dos Anjos, acadêmico de direito, recebeu com muito interesse as ideias materialistas da Escola do Recife. Nessa época gravitavam sobre o prédio da faculdade tradicional, os reflexos próximos das ideias da não menos tradicional Faculdade de Direito de São Paulo, onde freqüentaram luminares e onde seguiu para o Recife o espiritualizado poeta Castro Alves. Por essa razão, no ambiente acadêmico de Recife, duas linhas de ideias cercavam a cultura dos jovens estudantes; cultura que nascera das disputas e glosas de motes que chegaram ao Teatro Santa Isabel, cuja frequência era de alunos: uns para aplausos ao condoreiro da escravidão, cujos versos saiam das profundezas dos oceanos e alçavam voo aos ares do condor. Outros, para as posições filosóficas, naturalistas e materialista de Tobias Barreto.

Tivesse Augusto dos Anjos, quando se aproximou das ideias da Escola do Recife, seguido a linha do poeta dos escravos, é bem provável que sua vida humana seria diferente, entretanto, as influências da infância, a frustração amorosa que se deu aos 16 anos e a intensidade das vibrações tresloucadas da mãe, sua estrutura psicológica material predominou em relação à estrutura espiritual e, como consequência, direcionou sua cultura para vida vazia de propósito além morte. Aconteceu o que acontecera a Pandora que recebeu de Zeus poderes para tornar melhores os seres humanos e dessas dádivas se desviou; contudo, ao ser denunciada por Hermes foi encerrada em uma caixa e ali trancaram-se, para o mundo, a mentira e a traição.

Sem o saber Augusto dos Anjos experimentou a mentira e a traição: Primeiro a mentira revelada através do comportamento da mãe que, de amável, com a morte do irmão tornou-se revoltada e para cuja mudança a melhor explicação está na forte obsessão do irmão sobre ela. Mentira que motivou ausência de afeto em relação ao filho que, sem conhecer a mãe, antes do nascimento – é óbvio, tentara demovê-la por meio de cartas íntimas, frequentemente endereçadas do Rio de Janeiro. Segundo, outra mentira estivera na misantropia do pai o qual se sobrepunha pela cultura, prepotência e demonstração de ser senhor do mundo.

O poeta, consequentemente, fora atraído pelas idéias de Tobias Barretos o acadêmico da linha germânica, austero, objetivo e intransigente quanto à realidade dos fenômenos da natureza. É interessante observar que Tobias Barreto, de início influenciado pelo espiritualismo francês, passara para o naturalismo de Haeckel e Noiré em 1869 com o artigo sobre a religião natural de Jules Simon. Em 1870, Tobias Barreto, passa a defender o germanismo contra o predomínio da cultura francesa no Brasil. Nesta época começa, por si e sem professor, a estudar a língua alemã e alguns de seus autores, tomando como objetivo reformar as ideias filosóficas, políticas e literárias influenciado pelos ventos da cultura alemã.

O pai veio a falecer em 1905 e deixou um dos irmãos para ser culturalmente cuidado por Augusto que se desincumbiu a contento de tão importante tarefa.

Apesar da centralização crítica da obra e vida do autor, no que diz respeito à sua tendência materialista, orgânica e naturalista, os críticos, por não se interessarem pelo tema imortalidade da alma, concentram todas as atenções aos fatos humanos, sem abstração às causas não humanas desses fatos.

Feita essa observação, cumpre anotar que houve um momento na vida do poeta em que sua preocupação voltara-se ao espiritualismo. O tio, Generino dos Santos, de quem se fez referência, o mesmo que provocara e instalara no poeta ideias abolicionistas, republicanas e de orientação maçônica, também exerceu ascendência ao jovem.

O simbolismo maçônico da construção do templo à virtude encerra sentido muito profundo e de dimensão espiritual avançada. Ideias materialistas em relação à simbologia relacionam polos opostos que não convivem por afinidade. Os percalços da vida familiar, dos momentos amorosos, do tio e da Escola do Recife, convenha-se que se trata de jugo para o qual o poeta não estava preparado quanto ao transporte na linha da vida.

Sob essa ótica, Augusto transpôs a literatura clássica, leu Darwin, Leibnitz, Spencer, Haeckel e fixou-se em Schopenhauer, precursor da idéia de inconsciente; daí seguiu para o bramanismo e o budismo, com percepção da imortalidade da alma e da reencarnação.

Ora lá (materialismo) ora cá (espiritualismo); eis o pêndulo dos momentos de vida de Augusto dos Anjos. Leia-se “Monólogo de uma Sombra”, 31 sextilhas que dá início à única obra, intitulada Eu. A primeira edição data de 1912, sem muito interesse à crítica e aos leitores. O tempo, contudo, incumbiu-se do reconhecimento do trabalho. O tempo e não o momento em que foi editada a obra Eu, porque havia expressa proibição de práticas espiritualistas. Corajoso, acostumado com o simbolismo dos ensinamentos do tio, traçou sua prancha e versificou:

Sou uma Sombra! Venho de outras eras,

Do cosmopolitismo das moneras...

Pólipo de recônditas reentrâncias,

Larva de caos telúrico, procedo

Da escuridão do cósmico segredo,

Da substância de todas as substâncias!

A simbiose das coisas me equilibra.

Em minha ignota mônada, ampla, vibra

A alma dos movimentos rotatórios...

E é de mim que decorrem, simultâneas

A saúde das forças subterrâneas

E a morbidez dos seres ilusórios!

Pairando acima dos mundanos tetos,

Não conheço o acidente da Senectus

— Esta universitária sanguessuga

Que produz, sem dispêndio algum de vírus,

O amarelecimento do papirus

E a miséria anatômica da ruga!

A interpretação exige posicionamento espiritualista, além da matéria bruta, transformadora, rude, pedra bruta a ser desbastada é tudo o que, desde Tales de mileto o ser humano indagava.

A sombra cravada no poema (Sou uma sombra) nada mais é do que a verdade sob o ângulo espiritualista, das vidas em corpos fluídicos na realidade de energias negras do universo, ou melhor do universo paralelo incursionado, modernamente, por dados científicos da NASA. Mas não é o "ser" é simplesmente o "fenoûmeno" , mas que no final o poeta considera , para si, o "noûmeno". Inicia com descrição da sombra nas suas origens; passa por três dados subjetivos do ser humano: filosofia, religião e a ironia tal qual Sócrates.

Conforme já esboçado, três grandes momentos na vida de Augusto dos Anjos, três alavancas com força impressionante para o desvio do caminho da espiritualidade e sinalização tendente à direção do cientificismo materialista. Por essa razão os críticos o apelidaram de poeta científico. Dos três momentos, por certo dois estão na infância, época em que recebeu lições austeras do pai, e na fase madura dos vinte e seis anos, no Rio de Janeiro, de onde costumava escrever para sua mãe dando conta de sua vida. Nesse período, em 16 de julho de 1911, escreveu à mãe com afirmação de que Generino era seu melhor amigo, tanto quanto amigo de Ester Fialho, a mulher com quem o poeta relacionara-se matrimonialmente.

Mas, e sempre há um mas, não esteve ausente a influência invisível, obsessora e disfarçada infligida por sinhá mocinha, sua mãe em relação a quem nutria, provavelmente, algum tipo de complexo, o de Édipo por exemplo, pelo seguinte motivo. Aqui a terceira alavanca da estrutura mental do poeta e que já foi alertada linhas atrás.

Dª Córdula, conforme anunciado linhas atrás, quando grávida do filho Augusto, perdera um irmão, estudante de medicina e com quem mantinha estreita afinidade espiritual. Profundo abalo moral instalou-se nos pensamentos da irmã e, por conseguinte, sua gravidez foi tormentosa e muito mais tormentosa foi o post mortem do irmão. O comportamento alterou-se e Dª Córdula descaracterizou-se; não se via mais a mulher serena, afável de comportamento amistoso; transmudara-se, por causa da perda do irmão, em megalomaníaca, autoritária, fria e indiferente aos fatos do mundo humano. Augusto não passou incólume a esse comportamento de indiferença maternal.

Augusto veio ao mundo no bucólico lugarejo de Engenho de Pau D’Arco, que lhe servia de refúgio contra o autoritarismo e a desconfiança que o pai nutria em relação a todos e por isso educara os filhos – à sombra do tamarindo; Augusto, até aos 16 anos de idade, quando deu início a produções literárias e também o ingresso no Liceu Paraibano. Sua primeira produção foi “Saudade”. As lições tomadas do pai, juntamente com outros irmãos, eram sob uma frondosa árvore de tamarindo a qual cravou na cepa da memória do poeta a impressão de ser aquele vegetal um membro da família; mas também fez brotar, para a realidade, a rigorosa obediência à prepotência e autoridade do pai, quanto aos estudos.

No tocante ao desabafo emocional, em forma de poesia, é fácil compreender o que se passava com o poeta, longe da sombra do tamarindo, longe da austeridade do pai e longe da indiferença da mãe e longe do primeiro amor. Aos dezesseis anos, sem o devido crescimento espiritual, sentira algo que somente esse crescimento poderia solucionar suas aflições e as opressões.

Evidentemente não atinava, por causa de sua formação confusa, isto é formação positivista, para as palavras de Cristo, proferidas no simbolismo das parábolas, mas bem objetivas: “Vinde a mim todos vós que estais aflitos e oprimidos que eu vos aliviarei. Tomai sobre vos o meu jugo e aprendereis comigo que sou manso e humilde de coração e achareis descanso para vossas almas, pois é suave o meu jugo e meu fardo é leve” (Mt XI; 28-30).

A palavra de Cristo seria apropriada para aquele momento em que batera a saudade no coração do poeta e saudade acompanhada de opressão, tristeza e muita aflição. Em lugar de compreender e aprender com Cristo – e oportunidades não faltaram - que seu jugo era suave e seu fardo leve, buscou refúgio na poesia, momento em que bem demonstrou sua conflitante estrutura espiritual: prevalência, no momento de intuição poética, da matéria sobre o espírito, tal qual a régua (elemento material) sobre o compasso (elemento espiritual).

Hoje que a mágoa me apunhala o seio,

E o coração me rasga atroz, imensa,

Eu a bendigo da descrença em meio,

Porque eu hoje só vivo da descrença.

À noite quando em funda soledade

Minh'alma se recolhe tristemente,

Pra iluminar-me a alma descontente,

Se acende o círio triste da Saudade.

E assim afeito às mágoas e ao tormento,

E à dor e ao sofrimento eterno afeito,

Para dar vida à dor e ao sofrimento,

Da saudade na campa enegrecida

Guardo a lembrança que me sangra o peito,

Mas que no entanto me alimenta a vida

Em outra oportunidade, embebido de ideais budistas, afasta o peso da matéria e torna suave o do espírito, em verdadeiro entrelaçamento. Tal se encontra no soneto “Solilóquio de um Visionário”.

Para desvirginar o labirinto

Do velho e metafísico Mistério,

Comi meus olhos crus no cemitério,

Numa antropofagia de faminto!

A digestão desse manjar funéreo

Tornado sangue transformou-me o instinto

De humanas impressões. visuais que eu sinto,

Nas divinas visões do íncola etéreo!

Vestido de Hidrogenio incandescente,

Vaguei um século, improficuamente,

Pelas monotonias siderais...

Subi talvez ás máximas alturas,

Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,

É necessário que ainda eu suba mais!

O soneto “Na Sombra do Tamarindo” deixa escapar a felicidade criada pelo lugar onde viveu em época que não sentia o conflito espírito/matéria porque, adolescente, circunscrevia-se ao seio da família; felicidade que se desdobrou em três momentos: apesar de tudo, os momentos felizes do aprendizado e, ao depois, os momentos de frustração amorosa, dado que, na fase da juventude, conheceu uma faceira musa e, um terceiro momento centrado na lembrança do pai o qual passa a ser reverenciado.

No tempo de meu Pai, sob estes galhos,

Como uma vela fúnebre de cera,

Chorei bilhões de vezes com a canseira

De inexorabilíssimos trabalhos!

Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,

Guarda, como uma caixa derradeira,

O passado da Flora Brasileira

E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os relógios

De minha vida e a voz dos necrológios

Gritar nos noticiários que eu morri,

Voltando à pátria da homogeneidade,

Abraçada com a própria Eternidade

A minha sombra há de ficar aqui!

Havia, é certo, outro lado do poeta, lado explorado bastante pela crítica, o lado psicológico da frustração e do ceticismo; por falta de orientação espiritual e sustentação quanto à imortalidade da alma, às vezes enveredava para o desabafo escatológico e o fazia para agredir o que entendia por destino da vida.

“Psicologia de um Vencido”

A poesia, com o título acima, caracteriza a mensagem materialista do sofrimento da carne, desde o embrião (epigênesis) até a transformação do cadáver; contudo, assinala à sorrelfa a má influência dos signos planetários. Porque a referência?

Eu, filho do carbono e do amoníaco,

Monstro de escuridão e rutilância,

Sofro, desde a epigênesis da infância,

A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,

Este ambiente me causa repugnância...

Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia

Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —

Que o sangue podre das carnificinas

Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,

E há-de deixar-me apenas os cabelos,

Na frialdade inorgânica da terra!

O cenário revolto, o cansaço de buscar Deus por caminhos falsos, tudo reproduzido no poema acima parece contraditório se se considerarem outros momentos do domínio mental de Augusto dos Anjos. No poema “Ilha de Cipango” reconhece o elemento alma e, em total desespero, tenta aproximação com o mundo espiritual, porém sem a devida compreensão espiritualista, fato que, passado para a poesia, revela-se tormentoso. O poema é de 1904, quando estava com 20 anos de idade e o momento político já era republicano.

“Ilha do Cipango”

Estou sozinho! A estrada se desdobra

Como uma imensa e rutilante cobra

De epiderme finíssima de areia...

E por essa finíssima epiderme

Eis-me passeando como um grande verme

Que, ao sol, em plena podridão, passeia!

A agonia do sol vai ter começo!

Caio de joelhos, trêmulo... Ofereço

Preces a Deus de amor e de respeito

E o Ocaso que nas águas se retrata

Nitidamente reproduz, exata,

A saudade interior que há no meu peito...

Tenho alucinações de toda a sorte...

Impressionado sem cessar com a Morte

E sentindo o que um lázaro não sente,

Em negras nuanças lúgubres e aziagas

Vejo terribilíssimas adagas,

Atravessando os ares bruscamente.

Os olhos volvo para o céu divino

E observo-me pigmeu e pequenino

Através de minúsculos espelhos.

Assim, quem diante duma cordilheira,

Pára, entre assombros, pela vez primeira,

Sente vontade de cair de joelhos!

Soa o rumor fatídico dos ventos,

Anunciando desmoronamentos

De mil lajedos sobre mil lajedos...

E ao longe soam trágicos fracassos

De heróis, partindo e fraturando os braços

Nas pontas escarpadas dos rochedos!

Mas de repente, num enleio doce,

Qual se num sonho arrebatado fosse,

Na ilha encantada de Cipango tombo,

Da qual, no meio, em luz perpétua, brilha

A árvore da perpétua maravilha,

À cuja sombra descansou Colombo!

Foi nessa ilha encantada de Cipango,

Verde, afetando a forma de um losango,

Rica, ostentando amplo floral risonho,

Que Toscanelli viu seu sonho extinto

E como sucedeu a Afonso Quinto

Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho!

Lembro-me bem. Nesse maldito dia

O gênio singular da Fantasia

Convidou-me a sorrir para um passeio...

Iríamos a um país de eternas pazes

Onde em cada deserto há mil oásis

E em cada rocha um cristalino veio.

Gozei numa hora séculos de afagos,

Banhei-me na água de risonhos lagos,

E finalmente me cobri de flores...

Mas veio o vento que a Desgraça espalha

E cobriu-me com o pano da mortalha,

Que estou cosendo para os meus amores!

Desde então para cá fiquei sombrio!

Um penetrante e corrosivo frio

Anestesiou-me a sensibilidade

E a grandes golpes arrancou as raízes

Que prendiam meus dias infelizes

A um sonho antigo de felicidade!

Invoco os Deuses salvadores do erro.

A tarde morre. Passa o seu enterro!...

A luz descreve ziguezagues tortos

Enviando à terra os derradeiros beijos.

Pela estrada feral dois realejos

Estão chorando meus amores mortos!

E a treva ocupa toda a estrada longa...

O Firmamento é uma caverna oblonga

Em cujo fundo a Via-Láctea existe.

E como agora a lua cheia brilha!

Ilha maldita vinte vezes a ilha

Que para todo o sempre me fez triste!

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Falar de Augusto dos Anjos é falar da humanidade e de seus conflitos comuns ante a ausência de equilíbrio espiritual; contudo, há que se situar, de forma lógica, o fenômeno responsável pelo equilíbrio, isto é corpo/alma bem como os rumos dos respectivos estudos, considerando-se cada elemento do fenômeno.

Há relatividade entre corpo e alma, energias diferentes, mas energias; não fosse assim não seria possível falar em equilíbrio energético. Ao se partir de um dado absoluto, qual seja a afirmação de existência da alma, fruto de um princípio inteligente, e o respectivo instrumento de manifestação, o corpo humano, inserido na natureza física, a definição de ser humano faz pleno sentido, isto é o homem é animal racional. O ser humano por definição tem propriedades que lhes permite avaliação de si próprio, por meio de pensamentos.

O que é o pensamento?

Conforme bem o anota o neurocientista, professor da USP, Dr. Sérgio Felipe de Oliveira, estudioso dedicado e propagador dos fenômenos espirituais à luz da ciência, em suas aulas na UNISPÍRITO – Universidade do Espírito, pensamento pensamento é vibração e propagação de energia, por causa da circulação sanguínea por meio da qual há fluxo de glicose e de oxigênio em direção ao cérebro e como glicose e oxigênio têm propriedades da matéria, por conseguinte produzem energia, um tipo de energia que ativa pontos do cérebro. Criam existências, razão porque Descartes, há séculos passados, elegia o pensamento como fonte criadora de existência: cogito ergo suum - “penso, logo existo”, ou ainda dubito, ergo cogito, ergo sum: "eu duvido, logo penso, logo existo".

Ainda, segundo a autoridade reconhecida do citado neurocientista e facultativo médico em atividade, consciência é funcionalidade ondular; se houver alteração da consciência, por vários motivos, no caso do poeta, p. ex., os conflitos que se aproximavam e se distanciavam a cada momento de sua vida, por ação de estímulos os mais diversos: megalomania superveniente da mãe, autoritarismo exacerbado do pai, a Escola do Recife, o positivismo, o tio maçom, o budismo etc., as alterações ondulares aconteciam e sua maneira de pensar mudava e, do seu inconsciente vinham os poemas. Não conseguia libertação do seu EU. O título da única obra, “EU”, fala por si só.

As alterações geravam consequências, visto como se mudava a frequência da amplitude de onda da consciência e Augusto ficava, em certos momentos, na área da dimensão espiritual, na área subconsciente, mais distante do organismo biológico com tangentes à quarta dimensão.

Por ser oportuno ao assunto, pede-se licença para avocar os ensinamentos do Ilustre pesquisador científico, referido neste segmento de análise, o ilustre professor Sérgio Felipe de Oliveira, com trecho de um de seus trabalhos, ministrados em aulas na Unispirito – Universidade do Espírito, em São Paulo – Bairro da Aclimação; contudo, uma vez que o presente artigo não tem caráter comercial e sim a natureza de pesquisa moral, quanto à estrutura espiritual de Augusto dos Anjos, transcreve-se o texto adiante.

“A nossa consciência é uma função de onda. Muito bem, então a nossa consciência é uma função de onda, que possui uma frequência e uma amplitude. Se uma pessoa estiver num estado alterado de consciência, ou por uso de drogas, ou por que está entrando numa psicose ou outra situação de desequilíbrio, ela vai mudar a frequência da amplitude de onda da consciência. Com isso, ficará mais projetada na dimensão espiritual, na área subconsciente, e mais distante, da biológica; estará mais voltada à abordagem espiritual, para a interatividade com o além, ou para o subconsciente, perdendo a definição de imagem da realidade biológica.

Nessa posição, a pessoa vai ter dificuldade de manter o raciocínio lógico coerente, na verdade, há uma mistura de aspectos que ela capta da dimensão espiritual, do seu inconsciente e da sua realidade biológica.

Assim, ela vai trazer para a sua realidade, elementos do discurso da vivência espiritual, subconsciente e biológica. Há pouca definição de imagem com uma fragmentação do discurso, próprio dos transtornos dissociativos, dos quadros psicóticos ou popularmente chamados quadros de loucura.

Então, aqui, ela recebe uma interferência de personalidades intrusas, outros Espíritos ou entidades, tem uma vivência toda própria da dimensão espiritual, ou elementos de suas vivências passadas.

O próprio subconsciente, tudo isso somado a uma visão fragmentada da realidade. Nisso se constitui o discurso da loucura: pseudo-ilógico.

Digo pseudo-ilógico porque, nesse discurso, se você consegue discriminar do fraseado tudo o que a pessoa diz, separando o que é influência espiritual, do que é da dimensão subconsciente e da biológica, você entende a lógica do que está acontecendo com a pessoa.”

Não há nada de absurdo em se afirmar que Augusto dos Anjos não era materialista ou positivista convicto, uma vez que no diálogo interno do “Solilóquio de um Visionário”, publicado na edição do Eu, o poeta estava envolvido com o eterno mistério da morte, a qual por ele fora denominada “velho e metafísico”.

Metaforicamente fala de um corpo que, enterrado por causa da morte, libertaria a alma. Ao se referir aos olhos, comidos crus, imagina o transporte do olhar superficial das coisas materiais para outro plano. Liberto pela morte, após a “digestão” menciona visões divinas, própria dos que se elevam em orações e passam a ver as coisas sob prisma superior (íncola etéreo). A condição da alma “desprendida”, vestida de hidrogênio incandescente (o perispírito da doutrina espiritualista) passa a vagar entre vidas que se sucedem.

Há notícias de que os filhos do Dr. Alexandre, dentre os quais Augusto, conheciam os veículos e literatura espírita de Allan Kardec, visto que era frequente e comum na Europa experiências de efeitos espíritas sobre a matéria, os chamados fenômenos poltergeist; pois bem, há notícias de que muitas dessas experiências foram praticadas em Engenho do Pau D’Arco, para desespero do fervor católico de sinhá mocinha que decidiu por cobro às comunicações. Augusto dos Anjos incursionou nessa seara, mas por curiosidade inconseqüente, talvez “de brincadeira”, porém, algo sempre fica....

Augusto dos Anjos foi acometido de doença infecciosa; segundo narrativas de uns, infecção pulmonar grave e, segundo narrativas de outros, tuberculose. Precocemente desencarnou aos 30 anos, em Minas Gerais, na Cidade de Leopoldina; ali está seu jazigo até hoje, porquanto ali foi considerado magnífico professor.

No dia do nascimento de Augusto dos Anjos, na Paraíba, nesse mesmo dia, em Roma, editava-se o repúdio papal contra os maçons. A mãe do poeta era católica fervorosa, mas o filho, quando lecionava no Rio de Janeiro, foi embebido do simbolismo da Ordem, por influência do tio; de outra sorte, talvez também por ironia, faleceu de enfermidade que, para ele, era encontrada por exame de escarro. Em que pese se noticiar que a morte foi provocada por pneumonia dupla para Augusto dos Anjos dúvida não pairava quanto à tuberculose. Diante do desencarne, irrelevante se a doença era pneumonia ou tuberculoso. Relevante é o mistério que ficou registrado no poema “Versos Íntimos”, como a anunciar o mal temido pelo poeta e contaminante no escarro:

Trecho do poema “Versos Íntimos”

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Descanse em paz Irmão Augusto dos Anjos que a Benção de Jesus ilumine o caminho que você tanto procurou e agora o tem, sem dúvida alguma.

Artigo apresentado, por ocasião da posse do Acadêmico Aclibes Burgarelli, na Academia de Letras, Ciências e Artes da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo – Cadeira 8 - Patrono Augusto dos Anjos. O artigo não seria possível, na linha adotada, por causa dos poucos conhecimentos poéticos do escrevente; contudo, socorreu-o a inspiração junto ao bondoso Irmão Frei Plínio.

São Paulo, junho de 2013.

aclibes
Enviado por aclibes em 07/06/2013
Código do texto: T4329435
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