Eu vou fugir

Nunca pensei que chegaria o dia de sentir vontade de naufragar em uma ilha deserta. Posso mesmo estar exagerando, pois não cheguei ao ponto de querer me isolar do mundo. Mas, de uns tempos para cá, vem batendo na porta das minhas escolhas o desejo de me afastar um pouco.

Nunca pensei que pudesse sentir isto também. Achei até que não sobreviveria sem o burburinho da evolução e sem respirar o frenesi das descobertas tecnológicas.

Nunca me considerei jurássica, pelo contrário, sou adaptável a qualquer situação de qualquer ambiente, ainda que não possa inflar o peito, como muita gente gosta de fazer, e arrotar o fato de ter vivido anos em algum país mais desenvolvido do que o meu subjugado Brasil.

Minha mente é tão aberta que vire e mexe me pego correndo para trancar algumas janelas, antes que maus ventos se aproveitem do meu descuido, me invadam e me derrubem.

Ou seja, trocando em miúdos, sempre me senti parte integrante do cenário deste novo mundo que está se delineando dia após dia numa velocidade inalcançável. Até agora, que,acho...cansei!

O ápice deste enfado se deu na última viagem que fiz. Aliás, sugiro a constância destas “fugidas despretensiosas” que causam o abandono do nosso colchão feito com a espuma da comodidade, para experimentar novos e desconhecidas densidades, intensidades e, automaticamente, o verdadeiro despertar.

Infelizmente, neste despertar não gostei do que vi. Algo do tipo: você acorda e se dá conta de que era melhor ter continuado dormindo, pois o pesadelo era menos feio do que a realidade. Preferia realmente não ter constatado, sem nenhuma margem de erro, o quanto as pessoas conectadas estão se desconectando. O quanto estamos ficando solitários vivendo, ironicamente, num planeta de 7 bilhões de pessoas. O quanto o poder da tecnologia, de estar em todos e vários lugares ao mesmo tempo, está fazendo com que as pessoas deixem de coexistir.

Refiro-me a coexistir no sentido literal da palavra, que a mim significa utilizar com toda intensidade possível o poder dos seis sentidos para se relacionar com o meio. Pessoas conectadas ouvem mal; pouco falam; olham, mas não veem; não sentem e (ouso instituir o sexto sentido) não pensam.

Munidos de celular, iPed, iPod, tablet, netbook, notebook, ultrabook... pessoas vivem conectadas a cada segundo de todos os minutos acordados e até dormindo, em seus mundos virtuais. Por todos os lados de todos os lugares, calçadas, shoppings, praças, banheiros... para onde se olhe a vida está acontecendo no ciberespaço e não mais aqui.

Viagens são mais emocionantes quando compartilhadas no Facebook. Paisagens tornam-se mais lindas ao serem postadas no Facebook. Comer é mais prazeroso ao exibir o prato no Facebook. Sentir dor, raiva, medo, saudade, solidão fica mais fácil depois de expor-se para todo mundo no Facebook. Amigos são mais amados no Facebook. Pessoas são mais reais no Facebook.

Olhar alguém, conhecer alguém, falar com alguém passou a ser uma ferramenta da internet, da qual todos utilizam, enquanto não perdem tempo de fazer isto ao vivo, a cores, ao ritmo da respiração.

As caras estão cada vez mais fechadas, os sorrisos mais raros, os corpos mais rígidos, os movimentos mais curtos, as emoções mais contidas e as pessoas mais sozinhas.

Não gostei do que vi ao despertar na minha última viagem. Não gosto do que vejo todos os dias aos despertar na minha vida. Não estou pronta para me integrar ao pós-humanismo que me convida a abandonar a identidade sensível e a consciência emocional que me constituem, para me tornar um avatar, como os tantos que vejo por aí...E que me levam a querer abrir a porta das escolhas para atender o desejo latente que grita aqui dentro:

—Eu vou fugir!

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 06/06/2013
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