EU E O POETA
Eu nunca morri de amores pelo Rio de Janeiro. Isso não quer dizer que deteste a cidade do Carnaval e da Garota de Ipanema, pois é realmente lindíssima e merecedora da alcunha "maravilhosa". Mas, com toda sinceridade, nunca desejei morar por lá, diferentemente de alguns colegas que sonham cotidianamente viver sob as escarpas tijucanas e rente ao mar carioca.
Porém, quis a Providência divina que, por motivos de trabalho, eu fizesse uma mudança temporária para as terras de Mem de Sá. Seriam apenas três meses, ou quase isso, mas que a instalação da minha moradia seria compulsória e inegociável. E assim foi.
Ao chegar no Rio, instalei-me em Copacabana e conheci novos amigos da empresa que estavam na mesma condição: alguns mineiros, gaúchos, cearenses que foram, mais que depressa, cumprir o roteiro padrão de turistas de primeira visita: Urca, Cristo, Maracanã, Zona Sul. Eu já havia estado em todos estes lugares e, sinceramente, a única coisa que queria conhecer, do Leme ao Pontal, era a estátua de Drummond, meu autor predileto e que sabia, apenas, estar em Copacabana. Imaginava conhecer aquele que, através de seus livros, ainda nos fala e conta suas histórias, seus versos, sua visão de mundo.
Arrisquei-me em uma caminhada pela orla, atravessando as ruas e permeando meninos de olhares desconfiados e meninas com olhares sedutores, o glamour e a brancura do Copacabana Palace e a realidade terceiro-mundista de pessoas dormindo sob as marquises, o que não é privilégio dos cariocas, mas de um Brasil inteiro.
Avistei Drummond de longe, estava ali, bem pertinho do Forte. Sem os óculos, claro. Algumas pessoas deveriam parar de subtrair os óculos do Poeta e passar a ler seus livros, pensei eu.
Aproximei-me e logo estávamos ali. Eu e o Poeta. Uma estátua de bronze frio e fosco, que me fez lembrar de seus versos, em "Confidência de Itabirano", sobre a sua cidade natal:
"Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas."
Não era de ferro, como já disse. Mas era de bronze, 100% metálico, aquele corpo que, de costas para o mar, vislumbra o romantismo de Copa.
Parei em frente. Observei por alguns segundos e tentei imaginar que aquele cenário fora motivo de tantos poemas e crônicas do Poeta. Que aquele sol, aquele mar, aqueles edifícios e as ruas repletas de gente foram a matéria-prima de seus versos e de sua prosa.
Ousei sentar-me ao lado dele - mentalmente pedindo licença - e observei o semblante grave, a calva, braços e pernas cruzados. Relembrei de "Memória", "Mãos Dadas" e, obviamente, "No meio do caminho". Foram poucos minutos ali, rapidamente interrompidos por outros turistas, quando dei lugar a flashes e poses de quem também queria reverenciar o Poeta.
Saí caminhando calmamente, feliz. A areia quente de Copacabana, a avenida Atlântica, o morro do Leme ao fundo com o pavilhão nacional...não, nada disso ainda me faria "morrer de amores" pelo Rio. Todavia, encontrei naquele molde de cobre e estanho, um motivo para gostar um pouco mais da Guanabara: um poema estático, plural, em forma humana que parecia acenar um adeus enquanto dele me afastava...