Licença para Matar
E o noticiário? Violência o tempo todo. E cada vez mais implacável. Torturas, estupros, crimes de morte violentos. As pessoas estão muito mais intoleráveis consigo mesmas. E com todos.
Tem também a questão do trânsito, do transporte. Que não pode melhorar, enquanto a prioridade for o carro, o ônibus, as Transoestes, as Trancariocas da vida. Causando em nós as feridas que só vão se curar no dia em que o trem voltar. Ou o bonde, ou o metrô melhorar, espalhando seus ramais pela cidade.
E ainda os megaeventos programados para a nossa cidade exatamente quando é mais contundente a violência e insolúveis os intermináveis engarrafamentos que enfrentamos todos os dias.
Nesse sentido, a TV aberta é decididamente uma forma especializada de tortura para as pessoas que não podem dispor da TV por assinatura. Não que a TV a cabo ou similar seja muito melhor. A TV aberta é que tem uma programação insustentável e intragável sob o ponto de vista do que pode contribuir para a satisfação do chamado telespectador. Porque retrata apenas notícias que nos desagradam. Ou os informes sobre a Copa das Confederações, a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos, a Jornada Mundial da Juventude e coisas do tipo, como se elas fossem capazes de atenuar o nosso estupor diante do que nos desanima.
Parece que a programação da TV aberta é construída em cima da finalidade de que o telespectador se decida por optar por uma TV por assinatura. Porque, além das referências que fizemos, os canais abertos nos submetem a uma enxurrada de novelas ou de programas pseudo religiosos. Onde Deus é considerado o responsável por tudo, até pela irresponsabilidade que têm certos auto-proclamados pastores em enganar o seu rebanho.
Descontadas as pessoas que se deixam envolver por novelas, de certa forma todas elas apresentando variações sempre sobre um mesmo enredo, e aquelas cujo fanatismo ou total incapacidade de oferecer o menor questionamento garantem a audiência dos programas evangélicos ou até católicos, para os que não se enquadram nesse perfil, sobram o noticiário ou as transmissões esportivas.
E quanto ao noticiário, hoje já não há mais a necessidade de que as matérias tenham cunho sensacionalista. Dado o número excessivo de crimes, que se repetem praticamente todo dia. Como o caso da dentista e do dentista, ambos em São Paulo, cujos corpos foram incendiados por não terem o dinheiro que os criminosos procuravam.
A incidência de crimes violentos é casa vez maior. A sociedade assiste perplexa ao desenvolvimento desse quadro desalentador em meio a notícias de construções de estádios, para os eventos de grande porte no país, de aumento do custo de vida e dos habituais desmandos e comportamentos pouco recomendáveis ou também criminosos dos políticos eleitos.
No entanto, tudo começa a ter uma importância secundária diante dos arrastões, estupros, assaltos a residências, assaltos a caixas eletrônicos e crimes de morte e de toda sorte a que todos estamos sujeitos.
No Rio de Janeiro, as UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora) constituem-se numa elogiável tentativa das autoridades para garantir mais segurança à população, a partir da presença da força policial nas favelas ou comunidades carentes, onde são maiores as condições de proliferação do crime e sua exportação para o asfalto. Contudo, seja pela conivência de alguns policiais com bandidos, seja pela falta de preparo nas ações de prevenção ou repressão, as UPP’s não conseguiram ainda oferecer uma resposta eficaz à intensificação das ações criminosas. E os assaltos e arrastões pela cidade continuam a acontecer, sem nada que consiga deter essa multiplicação de ocorrências.
Em São Paulo nem se fala. E também em outras capitais não menos importantes, como Florianópolis e Curitiba.
A situação parece se aproximar do insustentável. Talvez não tenhamos tempo de acordar do susto ou da perplexidade para a cobrança. Cobrança das autoridades de um plano efetivo que seja capaz de deter a criminalidade. Capaz de, envolvendo as autoridades do judiciário, acabar também com a licença que certos menores têm para matar. Com a certeza de que não ficarão detidos por muito tempo.
Devemos nos lembrar de que a mãe do crime é a impunidade. E normalmente os pais estão sempre dispostos a permitir que seus filhos cresçam.
Rio, 31/05/2013