O uso privado de espaços públicos

O USO PRIVADO DE ESPAÇOS PÚBLICOS

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 05.06.13)

No início, um dia, foi o estranhamento: por que diabos esse povo da Zona Azul está vestido de amarelo? Eles sempre usaram uniforme azul e branco, parecendo gente do Avaí. E aí talvez estivesse a razão para a mudança de cores: para não parecer gente do Avaí. Como aquela história da bandeira do clube hasteada oficialmente na entrada da Ilha pelo vice-prefeito, avaiano, para homenagear a equipe que subira para a Série A do Brasileirão. Ao retornar de viagem, o prefeito titular, que se dizia também avaiano, mandou arriar o pavilhão: para não perder votos da metade alvinegra da população.

Ao comprar de uma "amarelinha" o cartão de estacionamento na rua, nova surpresa: o cartão era diferente do habitual, embora custando o mesmo um real para cada hora de uso da vaga. Os "amarelinhos" e "amarelinhas", chamados de monitores, abundavam por todos os lados, o que nem sempre acontecia com os "azulzinhos".

Analisando o novo cartão, terceira surpresa: ao invés dos tradicionais "dizeres" "Prefeitura Municipal de Florianópolis - Zona Azul", lá estavam "Município de Florianópolis - Dom Parking Estacionamento Ltda. ME". A Zona Azul era ligada ao IPUF, o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, uma autarquia municipal, enquanto a Dom, além do pleonasmo descabido (dizem os dicionários que "parking", em inglês, significa estacionamento), é uma empresa privada de Joinville, segundo o IPUF, mas com sede em Balneário Camboriú, a confiar no sítio da Dom.

A quarta surpresa veio junto com a quinta: enquanto o cartão de raspadinha anterior previa seu uso por quatro anos, o novo só serve para 2013; assim, o usuário esporádico perderá dinheiro se o ano acabar antes do seu bloco com 10 cartões. O "curioso" é que, apesar de relacionar os doze meses do ano, há escondida num canto, em letras quase ilegíveis, a frase "Cartão válido até Novembro de 2013", o que motivou duas indagações à "amarelinha", que as respondeu dizendo que, primeiro, por enquanto o preço permaneceria o mesmo, mas como a empresa é "dinheirista" ao extremo, é possível que aumente no ano que vem, e que, segundo, será notificado o usuário que não raspar o campo de ano, a despeito de inexistirem opções.

Outras surpresas se acumulavam a cada resposta da moça: os tradicionais e legítimos 15 minutos de tolerância estão extintos, "a empresa proíbe rigorosamente que se dê um minuto sequer de prazo adicional"; os monitores estão proibidos de preencher os cartões, pois "a empresa sabe que a gente não vai errar, enquanto o usuário pode se enganar e terá de comprar um novo cartão"; o estacionamento por cinco horas consecutivas, permitido em locais selecionados, será extinto em breve, o que "dará um ganho adicional à empresa, pois os carros terão que circular a cada duas horas"; mais áreas de estacionamento controlado serão instituídas na cidade, já que "a empresa só será lucrativa com estoque maior de vagas"; relações humanas com os funcionários não são preocupação da empresa: "nosso contrato de trabalho é de três meses apenas, depois somos substituídos e mandados embora".

Em contato informal, a Procuradoria do Município diz que se trata de contrato emergencial "para, finalmente, dar transparência ao sistema" (o que levanta suspeitas de veracidade sobre boatos que circulam a respeito de desvios históricos de dinheiro nesse serviço), mas que, se provocada, agirá no sentido de investigar eventuais irregularidades atuais.

Como se faz para provocar uma Procuradoria?

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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.

"Somente teremos discussões salutares neste País se respeitarmos a História."

Eu Mesmo, em 17.04.13, respondendo a "e-mail" sobre golpe de 1964 e ditadura de 21 anos.