O Passarinho
Ele escarapichado na cadeira lendo um jornal de ontem sem muita vontade, na parte dos resumos de novela, parou de repente. Levanta da cadeira de supetão.
Um barulho escutou na janela da sala. Procurando desesperado o interruptor para acender a luz. Seriam unhas arranhando o vidro? Sentiu um frio na espinha.
Ele estava sozinho em casa, raios fulgidos relampiavam no céu escuro da noite de cara de sono. O tempo não se aguentava, e em breve faria jorrar litros de água sobre a cidade. O álcool do litro de pinga de banana lhe aguçava a audição e lhe entorpecia a serenidade. Afastou a cortina lentamente, o suficiente para poder observar.
Olhou pela janela na escuridão, não viu nada. Na claridade temporária dos raios, também não viu nada. Ufa! Aliviado fechou a cortina. Pensou que deveria ser o consumo da cachaça no estômago vazio que lhe deu a sensação de alucinação.
Nisso, enquanto se deslocava para o banheiro, novamente o barulho no vidro da janela. Aquele som irritante de unhas esfregando no vidro, lhe arrepiou. Aquele friozinho no final da espinha. Pensou alto e com o medo incorporando aquele corpo trêmulo:
- "porra, não tem nada aí... acabei de ver... não tinha nada... não vou olhar novamente!".
Mais uma vez aquele ruído irritante. O silêncio da casa contrastava com o barulho dos raios e trovões, as nuvens não iriam aguentar muito tempo segurando tanta água represada. Apesar do medo, as pernas se mexiam, ainda. Não resistiu, foi em direção novamente da janela.
Desta vez arredou a cortina violentamente querendo vislumbrar e pegar de surpresa o causador daquele ruído.
Nada. Não via nada. O carro na garagem. O portão fechado. No jardim nem seu sapo de estimação, o Juvenalzinho, estava nesta véspera de chuva. Ficou pálido.
Não via nada, só as folhas verdes e a única rosa vermelha de seu jardim se mexiam freneticamente ao sabor do vento forte. Só não acendeu a luz de fora, porque estava queimada a uns 3 meses, desde que sua esposa lhe deixou sem nenhum bilhete, nem adeus.
O pavor lhe deu coragem para abrir a porta e bisbilhotar lá fora. Ao redor nada, tudo no seu devido lugar. Nisso novamente aquele ruído na janela. Teve que apelar para seu olhar mais detalhista. Cerrou os olhos e como um scanner começou a olhar toda a janela, quando chegou no canto inferior do lado esquerdo deu um grito:
- passarinho filho da puta! você que tá me assustando estas horas da madrugada!!! Praguejou irritado.
O passarinho estava mais assustado que ele. No cantinho da janela um minúsculo passarinho, filhote, caiu do seu ninho que ficava no telhado do vizinho. Como era novo e estava aprendendo a voar, não teve forças suficientes para voltar ao ninho.
Ele pegou o passarinho levemente, subiu na escada que estava lá fora desde a reforma inacabada da casa, colocou-o no ninho. Fechou a porta apagou a luz e foi para o quarto.
Alguns segundos depois de deitar, os raios e trovoadas não aguentaram a pressão e depois de tantos alertas, despejaram sobre a terra água, muita água. Ele dormiu tranquilamente e aliviado, claro devido ao álcool também. Ao som da chuva o passarinho no aconchego do ninho também dormiu.