Adão Silva
Em tempos de estabilidade econômica e certa bonança, a preocupação com os custos e valores pode se vista como uma desculpa esfarrapada para ser pão duro. Isso para quem não viveu a época dos produtos racionados e dos etiquetadores com suas maquininhas trabalhavando freneticamente nos TAC TAC TAC TAC das prateleiras, causando altas de preços várias vezes ao dia e tendinite no fim de semana. Talvez por isso quase todos os produtos alimentícios eram vendidos a granel: bicoito, farinha, arroz, feijão, açúcar, (acho que) sal e aquele papel higiênico colorido.
Nos dias de hoje, momentos de esperança e tevê no quarto, ainda passei um período tentando assimilar, com a percepção na economia antiga. Fazia uso exclusivamente do transporte público, do SUS, do ensino público, curso de inglês somente pelas aulas da televisão (que ainda era somente uma na sala para família toda), nada de tênis que acendia a luz quando pisava e muito menos roupas de marcas famosas pois o que valia era o preço e a qualidade. Meus amigos viam-me como comunista ou um idealista utópico. Mal sabiam eles que eu era apenas um cara com pouca grana mesmo. Contudo, para não ficar por baixo e alimentar esse desejo alheio pela revolução, sempre afiei meu discurso contra a burguesia e pela luta de classes.
Não que tenha mudado muita coisa; hoje já consigo fazer curso de inglês, ter plano de saúde e parcelar em doze vezes sem juros aquele tênis maneiro. Essa mania de querer poupar deixou-me com alguns vícios de iniciativa que pedem um policiamento constante de minha parte. Sei que não é normal marcar um encontro com a garota já dentro do cinema a fim de não pagar a parte da menina (e ater-me estritamente ao filme, pois com o preço dos ingressos nas alturas sai mais barato namorar em outro lugar). Muito menos aconselhável levar chips escondidos (já me disseram que levar canjica é muito bom no inverno: mantém aquecido e alerta), mas o valor da pipoca está impraticável.
Eu programo os encontros com a galera em locais com sistemas de comanda (cada um paga a sua e a amizade continua) tal como rodízios de carnes, massas e afins. Esse hábito infelizmente eu ainda tenho – queiram me perdoar – porque acho bem melhor que ficar conferindo a conta no final para saber quem bebeu mais chope, quem pediu aquela porção engordurada de calabresa e quem não quer pagar os dez por cento do garçom. Cada qual com sua comanda, come o que quer, bebe à vontade, brinca, se diverte e no final da noite paga o seu valor devido, sem tumultos ou calculadoras. É nisso que eu acredito, foi por isso que meus antepassados morreram lutando.
Quero deixar bem claro que não sou sovina, sou precavido. Não faço coisas do tipo tirar as pilhas do relógio de parede quando não tem ninguém em casa ou reaproveitar coador de papel. Mas eu admito certa briga com a luzinha de stand by dos aparelhos eletrônicos e o uso do tubo de pasta de dente até o final. Que me critique quem nunca foi correndo assinar a lista de casamento para ser o primeiro e fazer as melhores (mais baratas) escolhas nos presentes. Sou honesto: nunca dei o golpe da carteira esquecida ou do (nunca) pago depois, no máximo eu usava cara de coitado e reclamava da pouca verba para sair. Faz parte, afinal o contrário também acontecia. Só não vale transformar essa rede de solidariedade em uma eterna aba sócio-financeira.
E com isso, mesclando economia e abundância, férias no nordeste e fim de semana na laje, restaurante à beira-mar e bife amaciado, vou caminhando rumo ao futuro, sem prender-me em bens materiais, mas reconhecendo o valor de cada coisa (não somente o custo) e meu esforço pessoal para consegui-las. E sempre requisitando meu troco, em dinheiro, claro. Quero minhas moedas, nada de balas!