MEMÓRIAS SOBRE UM PSICÓTICO
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É possível acreditar que dentro de sua cabeça, misturado aos seus pensamentos, homenzinhos, de apenas alguns milímetros de altura, vivam? Falem? Dêem-lhe ordens expressas? Repitam centenas de vezes, horas seguidas, tanto de dia como de noite, até a exaustão, essas ordens? E você, por mais que tente, não consegue escapar dessas vozes?
Anacleto, uma pessoa com quem convivi no hospital psiquiátrico, acreditava que esses homenzinhos viviam na cabeça dele. Que eram emissários do diabo para atormentá-lo, roubar-lhe a alma. Para os médicos eram meras alucinações. Para ele uma relação com forças sobrenaturais. No entanto, para além de suas alucinações e delírios, Anacleto continuava um homem culto e informado: "Minha mente é tão clara quanto à de qualquer outra pessoa", estava sempre a me dizer.
Com medicamentos em alta dose, os homenzinhos viviam uma breve existência na cabeça dele, onde, por fim, desapareciam; porém, com a redução gradual dos remédios, as figurinhas humanas retornavam, ressuscitavam. Essas alucinações eram, para ele, um tormento insuportável.
Anacleto comparecera ao hospital, em agosto de 1998, com queixa de alucinações auditivas. Foi imediatamente internado. Dois meses depois, no café da manhã, o lugar que meu amigo costumava a ocupar, na sala de refeições, estava vazio. A enfermeira chefe, através de seu vidro especial, sempre limpo a tal ponto que não se pode dizer que está ali, balança a cabeça para mim em sinal de aprovação, de que também está vendo a ausência de meu amigo. Os enfermeiros encontraram Anacleto caído no banheiro; um filete de sangue escorria de seu ouvido direito. Levaram-no a enfermaria e ficaram surpreendidos. O paciente Anacleto, num surto de delírio, havia introduzido, em seu ouvido, uma caneta (daquelas de invólucro metálico), ficando de fora apenas o espaço que ele utilizou para introduzi-la. Apesar da gravidade do ato, Anacleto estava consciente e explicou que o fizera para calar as vozes dos homenzinhos. Mais surpreendente, ainda, foi o resultado dos raios-X: a caneta não causara dano algum ao cérebro de Anacleto. Foi retirada sem mais problemas.
Em oito de outubro deixei o hospital para voltar à civilização, a união do lar; e, nunca mais vi Anacleto, que ali ficara a espera da salvação. ®Sérgio.
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Nota: O nome Anacleto é fictício. Tem a finalidade de preservar a identidade do verdadeiro Anacleto.
Se você encontrar erros (inclusive de português), relate-me.
Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquer comentário. Volte Sempre!