A Flor de Maringá

Sentado no banco da frente, o Rapaz de óculos e cara de gênio observava de relance a figura do velho em pé ao seu lado que tossia arfante, a mão trêmula agarrada ao cano de ferro de ferro, impedindo o desastre da queda. Todos dentro do ônibus entreolhavam-se, as caras sérias, os olhares oscilantes do teto às janelas. O medo de dizer um “bom tarde”.

Lá fora o caos reina os carros agredindo-se com buzinadas violentas. Pessoas e mais pessoas atravessando fora das faixas, como se fossem um só bando de alienados. Mendigos rogando pragas àqueles que não lhe jogam a moeda da manguaça.

“Maldito seja teu futuro,

Homem pão duro!”

Todo esse barulho e desarranjo a ceifar as artérias do coração da delicada sociedade de Durkhein, orgânica do asfalto ao topo dos prédios, definhando aos poucos pela fumaça negra até nada mais sobrar.

À medida que as pessoas entram, o ar dentro do ônibus fica mais rarefeito e pesado. O velho tossindo ainda mais, com o lencinho de pano impedindo a contaminação alheia com seu contágio da velhice.

Ao dobrar a esquina, ouvem-se gritos de uma mulher, dissolvidos pelas vozes lá fora, “Devolva a minha bolsa seu moleque que eu chamo a polícia!”. Todos dentro do ônibus colaram as caras nas janelas embaçadas, ninguém consegue ver a mulher, apenas seus gritos são ouvidos, ainda que abafado pelas vozes altissonantes da massa humana em redor, todos juntos gritando aos celulares “Eu estou atrasado!”.

Quando as crises de tosse do velho já incomodava a todos, até o motorista com suas olheiras de fadiga, aquela arca velha sobre rodas pára. Uma moça entra vestido curtíssimo e colado, maquiagem carregada e uma bolsinha minúscula de estimação junto ao ombro descoberto. “Sua profissão começa com ‘p’ e não é a de Policial”, dizia o professor de literatura. Todos olhavam para ela com olhares furtivos, principalmente o Rapaz da frente, até as mulheres olhavam com o canto dos olhos, pura inveja das curvas.

As crises de tosse do velho amenizaram-se um pouco pela entrada do ar que a moça trouxe da rua imunda.

O Rapaz do banco da frente levantou-se, fez um gesto com as mãos para que a moça sentasse. E com suas nádegas insaciáveis, ela sentou-se sem agradecer, empinou o nariz e cruzou os braços. Depois de passar em um quebra-molas o velho gemeu de dor nas pernas. A Moça ficou a observá-lo com olhos de candura. Ela levantou-se, foi em direção do velho e tomou-lhe as mãos trêmulas, conduziu-o até a poltrona agora vaga, o trono da sua boa ação. O velho senta, suspira e agradece “Deus abençoe teus passos minha filha”.

A Moça e o Motorista olham para o Rapaz, as caras de reprovação e asco a condená-lo.

Bego
Enviado por Bego em 03/06/2013
Reeditado em 15/06/2013
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