MARIETA SEVERO, DITADURA MILITAR, CULTURA E LIBERDADE

Há dias venho pensando em algo que vi e ouvi a atriz Marieta Severo declarar em uma entrevista a um programa jornalístico de TV. A declaração despertou-me a atenção, por ter sido pronunciada com ênfase pela atriz, ao emitir uma resposta à repórter.

Questionada se achava que a produção cultural brasileira sofre uma carência artística após o período da ditadura militar, imediatamente, sua resposta foi um firme “não!”. E foi categórica ao dizer que não concorda com as pessoas que dizem isso. Enfatizou e garantiu que o período do AI-5 não era bom. Afirmou, peremptoriamente: “bom é agora”.

Quem sofreu as mazelas daquele momento histórico do Brasil entende perfeitamente a reação imediata da atriz e compreende o que ela quis dizer, mesmo no que ficou implícito em suas palavras e em sua expressão facial.

Sabe-se que, em todo o período republicano brasileiro, a censura agiu e mostrou sua face obscura e que essa ação foi legalmente exercida.

Analisemos um pouco de nossa história e poderemos observar que, embora a Constituição de 1891 garantisse a liberdade de expressão, desde o início do século XX, a polícia exercia a censura prévia nos teatros e cinemas.

Em 1923, uma lei de imprensa foi promulgada pelo senador Adolfo Gordo e sancionada pelo presidente Arthur Bernardes, valendo-se dela para conter os opositores de seu governo. A mesma lei punia e proibia livros que eram considerados “atentados ao pudor”, proibição que tinha o apoio de uma instituição católica, a “Liga da Moralidade”.

Após o golpe de 1930, com Getúlio Vargas no poder, a censura atuou fortemente, sempre na tentativa de coibir ataques à gestão governamental, culminando com o fechamento do país, através de uma Lei de Segurança Nacional, que desse um respaldo frente à Coluna Prestes, em 1935.

Em 1937, foi implantando o Estado Novo. Os órgãos de comunicação, então, ficavam sob os olhos do governo, para aprovação ou não de suas publicações.

Nessa época, edições de livros inteiras foram apreendidas em livrarias de todo o Brasil, entre elas, livros de Jorge Amado.

Passando pelas décadas de 40 e 50 sem nos atermos a elas, vamos para o período em que o país chegou às mãos dos militares, que tentavam evitar um levante de esquerda. Em 31 de março de 1964, o golpe militar promulgou uma nova constituição, baseada na doutrina da Segurança Nacional.

Muitos mecanismos de censura foram infiltrados nos meios artísticos e de comunicação durante o militarismo. Houve um retrocesso da cultura brasileira, a qual ficou sob a mão forte da censura que se instalou nos teatros, na TV, no cinema, nas produções musicais e nas universidades.

Tal fato impediu que houvesse no Brasil uma cultura crítica. Vivia-se em total clima de insegurança, embora houvesse a “Doutrina da Segurança Nacional”.

Bem esclareceu Adélia Bezerra de Meneses Bolle, quando disse que durante a ditadura militar no Brasil “instaurou-se na literatura e no pensamento crítico a vaga do Formalismo – É a época do Estruturalismo. Assiste-se a uma acentuação de pesquisas marcadas pelo experimentalismo formal – o império da “metalinguagem”: é o poema que se diz a si próprio, a canção que se canta a si própria.”

Ao final da década de 70, o balanço cultural daquele período de exceção apontou um sério prejuízo, pois os valores que se destacavam eram ainda os mesmos da década de 60.

O Brasil delicado de 1950 e começo dos anos 60 encerrava os anos dourados de Sinatra, Bing Crosby e Nat king Cole, Elvis e The Platters. Dava lugar a um país em que a população perdera a praça e em que o regime dos generais endurecia intensificando o acirramento do conflito político e social no país. Tudo em nome da necessidade de “combater a subversão e a corrupção”, segundo as Forças Armadas.

Não serão abordadas aqui as perdas econômicas, a inflação galopante que havia, o arrocho da classe média com salários baixos e a violência a passos largos. Tampouco, serão observadas as questões políticas e partidárias, inclusive porque muito se perdeu das verdadeiras intenções da “Conscientização” que era a palavra-chave daquele momento.

Esta reflexão limita-se à produção artística em geral, ou seja, ao teatro, ao cinema e ao aspecto da poesia e da música produzidas naquele momento de “diáspora” de intelectuais e de artistas que eram forçados ao exílio. Desta forma, é possível que consigamos avaliar a seriedade da fala de Marieta Severo.

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Época de infortúnios, das línguas obrigatoriamente travadas e até de pensamentos policiados e proibidos. Tempos de chumbo e de mãos de ferro. Era proibido reclamar. Pensamento... como proibi-lo, se ele ultrapassa barreiras?

Havia no teatro brasileiro uma peça interminável, que era encenada em palcos nos quais cortinas grossas desciam e eram intransponíveis.

Gritavam insistentes os poetas e dramaturgos, enfrentavam as proibições impingidas a suas palavras. Inutilmente lamentava a população oprimida e as valas eram repletas de corpos e de sangue cobertos com sete palmos de terra. Em valetas escondiam a vergonha da desumanidade.

Década de sessenta, estudantes protestavam com punhos cerrados e rostos sombrios. Muitos partiram da pátria-mãe gentil “num rabo de foguete”, nela choravam “Marias e Clarices”. Era o Brasil do ame-o ou deixe-o. Tantos foram obrigados a deixá-lo, embora o amassem. Inúmeros não voltaram. Começava uma das mais fervorosas manifestações sociais no Brasil.

A partir de 1964 veem-se nos palcos brasileiros diversas e significativas apresentações teatrais, como o Teatro de Arena (Arena Conta Tiradentes, Arena Conta Zumbi; do Show Opinião, do Teatro Oficina e dos Violões de Rua. O TUCA (Teatro da Universidade Católica, em São Paulo, abre as portas para contar Morte e Vida Severina de João Cabral de Mello Neto.

Aparecem no cenário artístico nomes que se perpetuaram na cultura brasileira, tais como Augusto Boal, Paulo Pontes, Oduvaldo Viana Filho, José Celso Martinez Correa, Ferreira Gullar.

Entre 1965 e 1968, os festivais de música popular brasileira davam a tônica do momento e trouxeram nomes como Geraldo Vandré, Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil entre tantos que surgiam.

As músicas falavam de protestos e insatisfações. Então, acontece a Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro, maior manifestação estudantil de rua da década de 60 em resposta ao assassinato do estudante José Luís, que fora morto pela polícia durante protesto contra o aumento do valor das refeições no restaurante universitário Calabouço.

Era também o “Brasil esquecido, da miséria, da indigência”, que fez Drummond alertar, em 1966, que “o país andava precisando de amor”.

As mentes trabalhavam e atitudes eram tomadas às escondidas. Estudantes encontravam-se em bares nas proximidades das universidades. Panfletos eram impressos em redações de jornais clandestinos e incitavam insistindo “que fizessem a hora e não esperassem acontecer”.

O regime endurecia e os que promoviam cultura tomavam posições. Os movimentos estudantis agiam nos Centros Populares de Cultura, da UNE. De repente, uma ordem surda, a meia voz, alertava: “perigo! Corram todos ou serão calados para sempre!”

Em 67 “as ruas brasileiras começavam a sentir melhor o estremecimento provocado pelos tanques e pelas botinas dos militares no poder.”

Havia dissidências na oposição que, amordaçada, dividia-se em posições de esquerda: alguns eram radicais, outros acreditavam em negociações.

Teatros eram invadidos e incendiados, atores sofriam espancamentos quando, em 13 de dezembro de 1968, surge o AI-5 e muitos se perderam e morreram na clandestinidade.

Veio a copa de setenta. Nos gramados, rolava a bola que fechava os olhos do povo a cada grito de gol da seleção. Era a dita canarinho. Em que gaiolas estariam as penas mais sentidas? Enquanto gemidos sangravam nos porões da ditadura, um belo hino ecoava aos quatro ventos, vindo de Guadalajara. “Pra frente Brasil, do meu coração...”

Após me reportar àquele tempo, vejo que a cultura brasileira muito perdeu durante a Ditadura Militar e que, na atualidade, a história cultural do país faz sua trajetória livremente. Compreendo, sem dúvidas, que Marieta Severo teve razão ao cerrar o semblante e afirmar: “Não há carência na produção artística atual; o melhor terreno para se trabalhar, para se criar é a liberdade, a democracia. Não existe terreno igual. Essa história de que a Ditadura propiciou mais criatividade, eu não concordo. A melhor época é esta. Não era lá, não!”

Já andaram novamente tentando calar a boca da imprensa e tentam ainda. Há muita sujeira sob tapetes, mas é assunto para outra crônica, ou esta não terá fim. Pano para mangas há, sem dúvida.

Nada se compara à liberdade de expressão, Marieta teve motivos insofismáveis para suas observações. Afinal, livre pensar é só pensar e já dizia Sartre que "o homem está condenado à liberdade" e sem essa "maldição" a vida não teria sentido.

Dalva Molina Mansano

01 de JULHO DE 2012

20:17

Fontes:

Bolle, Adélia Bezerra de Meneses. Literatura Comentada (Chico Buarque de Hollanda)- São Paulo, Abril Educação, 1980.

MPB Compositores, Editora Globo.

Torres, Ângela Braga. Mestres da Música. Chico Buarque, São Paulo, Moderna, 2002.

Carta na Escola, Ed. Nº 64, março 2012.

http://globotv.globo.com/rede-globo/jornal-hoje/v/marieta-severo-fala-sobre-carreira-casamentos-e-familia/1965225/

Publicado em: 01/07/2012 20:16:09

Última alteração:01/07/2012 20:17:57

Republicado em 03/06/2013

16:03

Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 03/06/2013
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