Cozinhar é um modo de amar os outros
Nunca mais minha amada fez uma rabada. Annapurna, a deusa da comida, em depoimento sócio-histórico, bem disse que o banquete se mede pela variedade de entradas. Sou mimado com a gostosabilidade da cozinha dessa deusa, no seu melhor. I love comer suas carnes, especiarias, chá, queijo, pão caseiro, vegetais, sopas e ensopados. Seu feijão não é só divino, como o da Vicentina. Em verdade vos digo que essa iguaria feita pela suas mãos deleitosas é supimpa e tentador como o mais apetitoso pecado.
A saborosidade dos manjares dessa deusa da gastronomia é uma das poucas coisas neste mundo burguês que me faz temer ser removido do patrimônio genético da humanidade. Ou, pior, ser forçado a uma dieta dessas radicais, tudo de tal forma e maneira que venha a me privar de suas carnes e condimentos tão finos, caros e raros como endivias, radichio e os delicados cogumelos japoneses, açafrão e atum.
Gastérea, outra deusa da gastronomia, essa musa fisiologista do gosto, intimida algum subproduto de minha cultura moralista de fundo de cozinha ao lembrar, lambendo os dedos e os beiços sensuais, uma frase do baiano mais insolente do que Jorge Amado, que é o comedor e bebedor João Ubaldo Ribeiro: “Brasileiro é estúpido”. Para ele, os únicos inteligentes eram os canibais, os tais índios antropófagos que faziam regalados quitutes com os bofes e crânios dos inimigos.
Molière foi um francês que tomou ousadia com a arte de comer e um dia declarou, depois de um arroto: "Bem comido, a minha alma de nada quer saber. E nem os maiores desgostos a conseguem comover." Por isso ninguém faz revolução de barriga cheia. Confúcio, um cara que sabia encher a pança filosófica, garantia que “todos os homens se nutrem, mas poucos sabem distinguir os sabores.” Pois há mistérios insondáveis nos caldos de minha deusa da gastronomia. Então você vê, todos os homens comem e todas as mulheres cozinham, mas só o homem sensível sabe comer e apenas a mulher afetuosa, sincera e provocante na sua atração secreta sabe processar o alimento que nutre o corpo e faz viver coisas e momentos complexos como uma feijoada completa.
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