Lambari de ouro

O mesmo peixinho corriqueiro de sempre. Feito no mesmo capricho ritualístico. Mas é de ouro, furou o tédio… e a minha paciência

O tempo é das frases de efeito. Porque o bom mesmo é que se fale pouco, mas bonito. Não há tempo de ler muito além de três linhas. E, por mim, tudo bem isso de se apegar a meia dúzia de palavras. Eu, que sou amante das letras acima de seja lá como elas se arranjem, não dou a mínima se o mundo achou que se resumir nos efeitos das frases. Mas, primeiro, ficou de lado o efeito. E as frases, por si, na estrutura, usam mal as palavras e ridicularizam vírgulas equivocadas sem destacar a ironia da que se pôs em seu lugar.

Agora, fosse um mal que viesse para bem… Não. Porque, a bem da verdade, esse efeito foi o da sinuca de bico. Era a frase SEM efeito ou o clichê substantivado. Sim, porque o outro lado é essa mania de nomear as coisas todas. A “felicidade”, a “sabedoria”, o “amor”, a “estupidez”, a “emoção”. Acho que começamos a colocar nomes em tudo aquilo que desaprendemos a causar ou reconhecer. E o discurso fica péssimo em chamarmos pelo nome todo esse falatório pouco representativo. Pega mal mesmo.

Não é nada contra isso de falar sobre as coisas. Eu sou dessas que acreditam na existência das coisas a partir de quando são mencionadas, escritas, pintadas. A mimese é para isso – seja qual for a ‘mídia’. Aposto sempre nas memórias que eu acredito eternas, bem recuperáveis, no nível da confusão entre o real e o realmente real – que é a memória.

Acontece que há uma boa saída. Uma saída que eu gosto de chamar “à maneira García Márquez” – com foco nos Cem Anos de Solidão. Porque metáfora ou não, ‘assimilada’ ou não, há figuras e fabulações que não escapam a ninguém. A gente sabe que há pessoas criminosamente bonitas, vestidas de batas, que vão para o céu em lençóis. E outras que vivem presas ao pé de uma árvore, ou confeccionando peixinhos de ouro. Sem falar nas pessoas que, por obra da idade, enxergam com os olhos bem fechados. Eu poderia mencionar, ainda, a vontade de comer terra, ou as pessoas que custam a morrer e depois vão de morte medíocre… Mas essas são só algumas das figuras. E, independentemente de uma frase e de um efeito, a gente sente quanto dói e ri quanto se engraça. – E a memória é tão sensível, né?

É até melhor que, depois desse tipo de leitura, – assim como acontece em tantas outras situações de puro truque artístico – ninguém saiba explicar muito bem os motivos do amor, da ira, da felicidade e da ansiedade. É melhor que nem falemos nesses nomes. Porque me dá vontade de comer terra quando eu vejo essa gente com preguiça de sentir e se gabando de expressões do tipo curto e grosso.

Desgostei dessa mania de falar da coisa desfazendo-se completamente da coisa em si. Fosse do que vem de dentro ou da vista da janela, o que se fala vem de algum lugar. E as palavras vazias de valor são nada. O bom escritor sabe entregar o mérito ao mundo. O escritor fantástico saracoteia nos absurdos e pormenores.

Adriana Campos K
Enviado por Adriana Campos K em 02/06/2013
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