Presa no Chuveiro
PRESA NO CHUVEIRO
Ana Claudia vivia só. Já tinha sido casada algumas vezes e se separado outras tantas. Agora tinha decidido que iria viver somente para o trabalho, os amigos e mais nada. Nem a família, pai, mãe e irmã, que viviam tentando atazanar a pobre mulher – somando problemas e subtraindo a paz – faziam mais parte da vida dela. Tinha decidido isso e então resolvera se mudar. Alugara um pequeno apartamento num bairro tranquilo e, como sua profissão permitia que trabalhasse em casa, passava a maior parte do tempo trabalhando e arrumando seu novo lar.
Foi num desses dias, depois de uma pequena faxina e depois de ter arrumado algumas coisas recém-desempacotadas da mudança que Ana foi tomar banho. Ligou o chuveiro, fechou a porta do box e sentiu a água quente e reconfortante – era um dia frio e o banho viera bem a calhar - e tomou seu banho. Finalizou como de costume, aplicando um creme nos cabelos e fechou o registro da água. Foi ao tentar sair do chuveiro, que percebeu que havia algo errado. Quando entrou e fechou a porta, ouviu um barulho estranho, mas como o apartamento era relativamente antigo, e ainda estava se adaptando aos sons do prédio, achou que não era nada. Nem lembrou que a mesma porta do box estava travada quando veio ver o apartamento para alugar e lhe prometeram que estaria consertada caso ela optasse por aquela moradia. Tentou então abrir a porta e nada. Forçou mais uma vez, achando que uma segunda tentativa resultaria em sucesso e, de novo, nada. Começou a ficar desesperada. Pensou em gritar por ajuda, mas desistiu no momento seguinte – o porteiro não iria ouvi-la do décimo sétimo andar onde morava. Além disso, os três apartamentos vizinhos estavam vazios – era uma ponte de feriado e todos estavam viajando. Pôs sua mente analítica para funcionar a todo vapor e considerou todas as possibilidades: Gritar, chorar, sentar no chão do box até que alguém desse falta dela – essa opção ela descartou no milésimo de segundo seguinte que surgira. Não falava com alguém há quase uma semana. Podia levar outra semana inteira até que alguém viesse vê-la. Tentou não entrar em pânico. Tentou ver se conseguiria dormir no box – a esta altura a tentativa de não entrar em pânico já havia sido frustrada umas três vezes – chegou até a experimentar a embalagem de shampoo como travesseiro. Daí percebeu que nada disso estava realmente resolvendo o problema. Na verdade ela precisava mesmo era sair dali. Repetiu para si mesma, várias vezes – já estava começando a falar sozinha – “Ana, você não vai querer dormir aqui. Pare de experimentar a embalagem de shampoo. Você precisa sair daqui.”
Foi quando sentou no chão do box – a esta altura, depois de tentar pular o box umas duas vezes – pôs a cabeça entre os joelhos e no segundo que ia começar a chorar, teve uma idéia.
- Amelie! – chamou uma vez
- Filhinha, a mamãe ficou presa no chuveiro, vem me salvar! Falou em tom de súplica.
Foi quando Amelie surgiu na porta do banheiro. Bocejava, sonolenta. Caminhava a passos lentos.
- Amelie, a mamãe está presa no box. Pega o telefone e liga para o vovô. Vai Amelie, liga para o vovô.
Depois de insistir algumas vezes e vencer a apatia de Amelie, ela finalmente foi buscar o telefone sem fio e depositou-o no chão.
- Isso filhinha. Agora disca. Isso filha. Vai aperta o numero 2. Isso, dedinho mais para lá. Isso. Agora o 3. Isso! E essa batalha durou alguns minutos. Até que finalmente ela conseguiu fazer com que Amelie discasse para a casa dos pais de Ana. Foi quando Aidê, a mãe de Ana atendeu.
- Au...huu...Au...uuu..uu...Au
- Hum? Dona Aidê levou um tempo para entender o que estava acontecendo.
- Alô! Quem fala?
- Au...huu...Au...uuu..uu...Au
- Ai meu Deus! Amelie! É a vovó!
- Au...huu...Au...uuu..uu...Au
- Está bem...a vovó já entendeu. – E dizendo isso, desligou o telefone. Virou-se então para o marido, Seu Pedro que estava sentado no sofá, lendo seu jornal e bebericando um café preto – forte como ele gostava – e em tom imperativo anunciou:
- Pedro! Larga esse jornal e vai socorrer sua filha!
- Ê, Aidê! Quer me matar de susto? O que aconteceu agora?
- Sua filha, Pedro! Ela ficou presa no box de novo!
- Ah, Meu Deus! – E levantou-se do sofá. Saiu, antes apanhando uma caixa de ferramentas e foi até o apartamento da filha. Antes, passou num desses hipermercados para comprar uns itens.
Depois de solta, Ana trocou-se e saiu, levando a “filha”, como ela referia-se à cadelinha Amelie, para um passeio merecido. Foi até uma rotisseria em frente ao prédio onde morava, contar à proprietária, de quem era amiga, mais uma de suas aventuras. No banheiro, os peixinhos da cortina agora enfeitavam o box.
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