Tentativa de fuga

Estávamos conversando sobre tudo, de músicas a problemas internacionais, de paz a sangue. Contei quantas vezes chorei por uma melodia e quantas ao ver um jornal. Comentei a nova onda de insensibilidade. Contei dos filmes que me marcaram, das luzes que ficaram gravadas em minha mente, das conversas que me apraziam, da viagem que me acalmou e dos livros, com os quais chorei e sorri, até de mais. Sentados nas escadas do Conservatório de música olhávamos a lua e a movimentada Avenida Afonso Pena. Continuei a falar das características que gostava, da alienação que sentia, da ânsia por ajudar a outros e fazê-los enxergar o mundo como ele realmente é e lembrava das aulas sensacionais de geografia. Simplesmente soprei de mim tudo que sou, até que ele me disse:

- Para, escuta. -

-O quê?- disse eu.

-A vida. - falou.

E ficamos ali em silêncio por uns 10 minutos, o que é eternidade para faróis se movimentando aceleradamente, e o vento em câmera lenta acompanhando minha respiração. Fechei os olhos, e deixei as lágrimas rolarem naqueles 30 segundos que fugi da realidade.

Precisava disso. O mundo como realmente é dói. Não aguentava mais ouvir jornais que espalhavam sangue, carne mutilada, estupros, preconceitos, orgulhos. Não queria mais saber de protestos, de violência e de brutalidade. Não, não aguento mais! E choro veementemente por cada minuto que tenho medo de acordar no outro dia e não ser mais sensível, de banalizar a vida, de ser covarde o bastante para ignorar a morte, mesmo que seja de um bandido. Tenho uma sutil impressão que não era pra ser assim. Eu, 17 anos não quero mais. O que será de mim, meu Deus, daqui a uma década? O que será?...

Ali, na frente do Conservatório, tentei fugir, porém o coração disse: não.