O RESIGNADO

Por: josafá Bonfim

Forte como um touro e ágil como um felino, desde a adolescência viveu da sua força física e sagacidade, na dura lida do campo, no traquejo com animais e na lavoura. Largamente conhecido como uma pessoa prestativa, com vida inteira de trabalho e dedicação a família de quatro filhos, ao lado da companheira de todas as horas.

O obstinado lavrador viu a vida passar, tocando seus afazeres. Nunca foi de festa e a única diversão era a corrida de cavalos. Bastante reservado e de uma saúde boa de fazer inveja. Assim atravessou juventude e mocidade.

Mas a velhice chegou e chegou mostrando sua implacável face.

Agora aposentado, antes de gozar do beneficio, começa a sentir alguns incômodos com uma lesão crônica no rosto que o deixa apreensivo.

Procurado o médico, com os exames, veio o diagnóstico estarrecedor: “carcimona na pele com ulceração”, conhecido como “câncer de pele”. Variedade que atinge 60% de todos os tipos de cânceres existentes.

Pego de surpresa com a sombria constatação, daquele dia em diante a vida do bravo Mariano se modificou. Apreensivo com o problema, se retraiu para cuidar da enfermidade, que com o passar do tempo ia se agravando cada vez mais.

Já experimentara todo tipo de tratamento e medicação possíveis, e recorrido aos mais variados médicos da região. Até ao espiritismo e tratamento alopata recorrera, sem obter resultado satisfatório.

Não se expunha mais em público, passando a viver retraído e recluso nas acomodações de um cubículo no próprio domicilio.

Fugia da presença de visitas, fustigado pelo trauma e complexado com a aparência de sua feição, deformada com o avanço da implacável ulcera facial.

Cada vez que olhava no espelho a deformidade no rosto, sentia uma angustia de morte, seguida diversas vezes da vontade de por fim a própria vida, tamanho o desespero com a devastadora doença.

A mulher e os filhos tentavam a todo custo fazê-lo entender a situação, e aceitá-la da melhor forma. Diziam aquilo ser desígnio da vida, e como tal, teria que saber suportar, não obstante o sofrimento atroz.

Quando amigos e familiares distante iam visitá-lo, era comum não recebê-los. Envergonhado, não queria se expor aos que um dia o viram em boa forma, e agora vê-lo naquela terrível situação, seria um enorme constrangimento.

As dores constantes o tratamento delicado, tornavam-no cada vez mais debilitado e intolerante. Agravava-se o quadro clínico pelo fato do doente não aceitar aquela situação. Alimentava-se mal e dormia pouco. O tempo todo reclamava de dores e da infeliz sorte. Era uma luta para aceitar o asseio corporal de todos os dias, assistido por sua inseparável e dedicada companheira de existência matrimonial.

Difícil e extenuante era o dilema daquela família com a sina do bravo sertanejo a se definhar sem meios ao alcance, que pudessem reverter o dilema.

Em pouco tempo viram o que tinham amealhado numa existência, exaurir-se com as despesas de saúde, vendendo a vaquinha malhada para custear os gastos, pois do ultimo pedacinho de terra já tinham se desfeito.

Numa daquelas noites sofríveis, lá pela alta madrugada, o enfermo consegue agarrar no sono. E sonhou... Coisa que não fazia há muito tempo.

Teve um sonho magnífico, celestial. Sonhou ter sido visitado em seu leito, por um anjo enviado pelo Criador, que dizia ter recebido a incumbência de confortá-lo, rogando que se conformasse com o carma. Pois tudo aquilo era uma missão que teria de passar nessa existência, já que era um escolhido de Deus. Que quando deixasse a vida terrena, iria ter um lugar reservado no Paraíso Eterno, ao lado do Senhor.

Na manhã seguinte, num sábado, um convalescente Mariano surpreendeu a todos, acordando bem cedo e disposto. Por si próprio tomou o banho matinal. Barbeou-se e vestiu roupas limpas. Perfumado e sorridente sentou-se a mesa para esperar o café que dona Augusta terminava de preparar.

E postou-se rodeado dos familiares que movidos pela grata surpresa, fizeram daquela rara ocasião um momento de descontração onde conversaram sobre amenidades e vários assuntos, que não incluía a costumeira abordagem diária.

Em meio ao falatório, a pequena Daniela, a caçula dos netos, perguntou-lhe: vô.., o senhor tá bonito demais, tá parecendo antigamente, quando a gente ia passear na fazenda.

O patriarca realçou um sorriso, dizendo: Dani minha filha, vovô dormiu bem ontem que até sonhou um lindo sonho. Estou aguardando a qualquer hora virem me apanhar para um passeio distante; por isso tenho que estar arrumado. Sorriram todos descontraídos...

Mas dona Augusta que conhecia bem o velho companheiro, não se convenceu com a resposta à neta. Deixou a turma sair para continuar o diálogo.

--Meu velho você acordou diferente mesmo, graças a Deus. Mas o que foi que aconteceu?. Você devia fazer um esforço para acordar assim todos os dias, deixando todos nós felizes.

-- É, minha velha..., seria tão bom, né. Eu tive esse sonho de verdade, e também tô contente com minha melhora.

-- E essa historia de passeio, homem?

-- Foi uma brincadeira que inventei pra distrair a Dani.

Deu-se o dia vivido com maior intensidade e alegria por aquela recatada família, naqueles últimos tempos.

***

Dia seguinte...

O domingo ventilado de bastante sol próprio a passeios, serviu como cenário de despedida para o descanso eterno do bravo sertanejo.

As pessoas iam chegando aos poucos e se perfilando ao lado do caixão exposto no centro da desgastada sala. As manifestações de condolências transcorriam dentro da normalidade, mas observadores mais atentos, constatavam fatos que chamavam atenção. Era notória a expressão de conforto espiritual da família, que não derramava lágrimas, apesar do aspecto tristonho. Os que se aproximavam do caixão, podiam perceber na feição surpreendentemente rosada do defunto, que a chaga antes existente, apresentava em seu lugar uma camada aparentando uma mancha avermelhada em baixo relevo. Os lábios relaxados, denotavam a estampa de um riso singelo.

josafá bonfim
Enviado por josafá bonfim em 01/06/2013
Reeditado em 03/06/2013
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