EU JA FUI O MORCEGO COLORIDO!

Em tempos já a muito idos fui um menino! Sim às vezes quando olho a imagem que o espelho me devolve custo a acreditar nisto, mas já fui um gorducho e estabanado menino.

Mais ou menos quando tinha entre oito e dez anos meu mundo de garoto era (como para a maioria) apenas escola, tarefas domesticas e brincar, brincar muitoooo!

Mas havia algo a mais no meu mundinho infantil... Meus dias eram povoados por super heróis super vilões aventuras fantásticas, lutas dramáticas e muito humor, tudo isto oriundo dos gibis. E cara... eu adorava gibis(ainda adoro) eu não os lia , eu os devorava meus olhos ávidos não cansavam jamais de ver o homem aranha bater outra vez no duende verde, tão pouco de ver o hulk(herói de macho hem patrícia?) esmagar mais alguns homenzinhos atrevidos que ousaram barrar seu caminho. Meu fascínio por este mundo era imenso mesmo do tipo que faz um garoto encher as paredes do quarto com todo tipo de pôster ou simples desenhos de super heróis, do tipo que faz um garoto gastar cada suado centavo de sua curta mesada com mais gibis, um fascínio que me fazia andar quilômetros pela cidade de um bairro a outro só pra encontrar um famigerado garoto (mais velho) só para trocar com ele gibis por gibis.

Mas logicamente eu não era o único, tinha amigos na época que também gostavam dos heróis dos quadrinhos e passávamos como não poderia deixar de ser horas intermináveis debatendo coisas altamente relevantes como, por exemplo, quem venceria uma luta entre o capitão America e o homem aranha? Por que diabos o fantasma falava tão engraçado La na selva dele? Quem era mais poderoso o hulk ou o Thor? Como se pode ver... tantas duvidas e tão pouco tempo não é mesmo?

Pois bem a verdade e que o contato com heróis fantasiados que não tinham nenhum super poder (a saber, Batman e fantasma) começou a dar força a certo bichinho impertinente dentro de mim, esta coisinha insistente e gritante me atormentou por dias e o que ela dizia? Ah aposto que você já imaginou. Sim dizia que se podiam haver caras sem super poder no mundo dos heróis então eu... isto mesmo EUUU podia ser herói também.

Decidi que meu bairro precisava muito de um defensor, mas decidi que não podia fazer isto sozinho NE? Afinal heróis têm parceiros (e o ridículo e melhor quando dividido) comuniquei meu amigo mais chegado da época de minha ideia num sábado chuvoso em que brincávamos numa casa em construção, disse a ele que pretendia ser super herói e que achava que ele seria perfeito pra ser meu parceiro. Confesso que estava um tanto receoso em falar de meu ousado plano para alguém, mas para minha surpresa e alegria meu amigo recebeu com grande entusiasmo o convite e topou na hora (acho que aquele menino não era La muito esperto) e já se pós a fazer planos sobre como seria o combate ao crime no bairro.

O primeiro passo foi o uniforme, e foi também o primeiro obstáculo que tive que transpor.

Pois escolhi uma determinada roupa que passaria a ser minha vestimenta de combate e que teria que estar sempre à mão para eventuais transformações em meu alter ego superheroistico... mas assim que minha mãe soube para que eu queria a dita roupa trancou pé declarou definitivamente que eu não poderia ficar estragando roupa com besteira de gibi!

Fiquei desolado, então minha mãe não entendia que não era besteira? Que era o chamado da justiça para seu rechonchudo filho? Argumentos e cara de choro não deram jeito não. Definitivamente ela não entendia.

Mas não me dei por vencido, havia marcado um encontro em lugar secreto (bosque ao lado de casa) com meu parceiro para ambos vermos o uniforme um do outro e falarmos nossos respectivos nomes, apareci La altivo de chort vermelho e rota camiseta branca nas mãos tinha dois objetos que escondia zelosamente. Meu amigo dera mais sorte sua mãe não se opusera a ele ter um uniforme (ta vendo mãe? Ela sim sabia o que era o chamado da justiça) embora na verdade o uniforme por ele escolhido não me agradasse muito, um chort xadrez que quase parecia uma sunga uma camiseta preta e chinelos de dedo, mesmo assim fiquei com leve inveja de ele ter uniforme.

A me ver foi logo dizendo que seu nome seria morcegao, um nome que ele achava forte... não discuti ne? Perguntou se aquele era meu uniforme a que respondi cheio de orgulho...

- Este e muitos outros, meu nome vai ser morcego colorido por que vou trocar sempre de uniforme (nunca falei que minha mãe tinha me barrado não pegava bem concorda?) meu amigo pareceu aprovar minha ideia e diante dos olhos dele mostrei os objetos que trazia, um era minha mascara de herói feita com papelão, mas era mascara, o outro minha arma de herói, um pedaço de perna de mesa com um metro mais ou menos de corda de varal amarrado nela constituindo meu chicote.

Ah garanto a todos que ali ganhei de vez a admiração de meu parceiro, ele não havia pensado em mascara menos ainda em arma, lógico que imediatamente fez sua própria mascara e sua arma era também um chicote (linha de pesca no lugar da corda de varal) e estávamos prontos para agir.

Como meninos que éramos logicamente não podíamos sair tarde da noite na rua, portanto nossas primeiras patrulhas de heróis na verdade não foram noturnas foram mais... como direi...vespertinas! La pelas dezoito horas já era escurinho e tínhamos ate as dezenove, dezenove e meia pra lutar contra o crime. Se uma luta durasse mais do que uma hora e meia o que faríamos? Bem a gente achava que podia pedir pro vilão voltar no dia seguinte em nome da honra do combate ne? No entanto... Bem, no entanto a verdade e que nossas primeiras patrulhas não eram o que esperávamos, não podíamos sair da quadra em que morávamos e ficar dando voltas na quadra em busca de vilões não estava dando certo, que me lembre o Maximo que fizemos foi espantar alguns cães vadios das ruas e “ajudar” um vizinho comendo todas as goiabas que se estavam pendendo dos galhos da goiabeira dele por cima do muro para que elas não sujassem sua bonita calçada.

Ate mesmo meu pouco erudito parceiro já estava entediando-se de nossas rondas sem sentido, sem falar que quando víamos meninas ou garotos da quadra de baixo nos escondíamos (ao que parece a vergonha e mais forte que a justiça nesta idade hem?), ou seja, nossa vida de heróis estava fracassando.

Mas foi então que surgiu nossa grade chance. Certa vez após a aula nos deparamos com uma cena inquietante, um garoto da quadra de baixo maior e mais velho do que nos estava importunando duas meninas na esquina da rua da escola. Nos olhamos aquilo por um tempo e imediatamente eu tive um estalo, olhei para meu amigo e perguntei.

- Ta pensando no que eu to pensando?

Ao que ele me respondeu sonhadoramente

-Também ta achando que aquelas duas metidas logo vão chorar?

Como eu disse meu amigo não era La muito esperto. Dei um safanão nele e quase gritei

-Não sua besta ta na hora dos heróis do bairro entrarem em ação ta ai na nossa frente um vilão real e duas garotas em apuros. Tenho que ser sincero não vi entusiasmo no meu amigo daquela vez, alias ao menos naquela ocasião acho que ele e que não me achou muito esperto.

Mas diante de minha afirmação não discutiu saímos correndo para nos” transformar”

Eu só precisava de minha mascara e chicote escondidos entre os gibis do meu quarto, meu parceiro claro cismou que tinha que vestir seu uniforme completo e demorou tanto que eu queria matar ele por isto. E o pior e que quando finalmente apareceu na frente da minha casa pra que pudéssemos agir ele estava com a mesma roupa de antes. Diante de meu olhar acusador só explicou muito sem jeito

-AH... a mãe lavou minha roupa e ela ainda não secou!

Não dava pra discutir com um argumento destes dava?

Seguimos apresados para o lugar da luta, já mascarados e prontos, coração dando pulos de nervoso, eu temia que o inimigo já tivesse partido, mas não! La estava ele ainda atacando as garotas com suas piadinhas infames.

Cara tive medo... tive muito medo mas fomos em frente, certos de que nossas mascaras garantiam nosso anonimato e de que salvaríamos as garotas daquela besta malvadas.

No mínimo poderíamos ganhar beijos como as mulheres dos gibis davam nos seus heróis seria justo não seria?

Eu já ensaiava minha fala!

Seria algo do tipo:

Pare ai maldito!

Mas não tive tempo... não tivemos tempo de dar nem mais um passo em direção a eles.

Foi uma das meninas que nos notou primeiro e deu logo o alarme

Olha, olha ali os dois... kkkkkk dois palhaços.

Na mesma hora a outra suposta vitima e seu suposto agressor nos olharam e caíram na risada também

- Vocês dois tem merda na cabeça ou o que?-perguntou entre gargalhadas o malvado vilão

A outra menina só ria e ria as duas riam alias

Ficamos em choque, não conseguíamos nos mover a coisa era inesperada demais meu amigo olhava deles para mim e de mim pra eles de boca aberta e eu simplesmente não sabia o que dizer.

Deve ter durado não mais que um minuto a coisa toda, mas pareceram horas. Ate que eu corajosamente tomei a frente e fiz a única coisa correta e digna de um herói fazer naquela situação.

Dei meia volta e sai correndo de volta pra casa com meu amigo atrás de mim atordoado!

A única coisa que eu podia pensar e que ao menos nossas mascaras tinham garantido nosso anonimato. Nem esta ilusão durou, pois atrás de nos ainda ouvi o garoto gritar.

-Ei gordo... ooooo Rodrigo amanha na escola vou contar pra todo mundoooo!

Não preciso dizer que este foi o fim não é?

Aquela foi a ultima aparição de morcego colorido e morcegao na face da terra. Rasguei a mascara naquela tarde mesmo e joguei o chicote no mato, meu parceiro fez algo parecido, nunca mais fomos heróis embora na escola por semanas tenhamos precisado de toda a nossa coragem pra suportar a zoaçao da galera. Duvido que os heróis de gibis tenham tido luta maior viu!

Lembrei-me disto hoje e tive que escrever a respeito. Por quê? Por que escrever mesmo diante de minha falta de jeito com textos longos?

Por que dentro de mim em algum lugar ainda vive aquele menino gordo que foi herói, em algum lugar dentro de mim o morcego colorido nunca morreu, em alguma parte minha, minha infância jamais terminou...

E rogo que jamais termine.