Viver dá trabalho...
Por Carlos Sena
Mas, não devia. Viver dá mais trabalho do que normalmente se imagina por conta de que há pessoas que se especializam em criar teorias fantasmagóricas de vida. Se não tão fantasmagóricas excessivamente cheias de particularidades que, francamente, não sabemos se vale a pena viver cheio dessas amarras. Coisas que, num primeiro momento podem ser vistas como “frescura”, mas que também podem ter certo teor de assertividade. Esse bando de obstáculos a uma vida mais objetiva e simples se forem seguidos à risca, certamente iriam requerer de nós mais vidas como se a gente fosse gato. Talvez o gato suporte mais essas coisas e com menos ansiedade, pois como dizem o bichano tem sete vidas.
Do ponto de vista da saúde tudo fica mais minucioso conosco: um dia nos dizem que caminhar faz bem a saúde. No outro dia vem outra autoridade e diz que caminhar é bom, mas se for pela manhã. Já outro vem e contradiz tudo isso dizendo que é melhor à tarde, ainda recomendado que é melhor fazer ginástica na academia. O ovo, coitado do ovo! Todo dia sai um boato diferente: ora ele faz mal a saúde porque aumenta o colesterol, ora não faz mal nenhum. Adoçante: todo mundo diz que dá câncer, mas logo vem um novo nome de outro adoçante que depois de amanhã, certamente, estará condenado por conta do câncer. Café – eis outro grande alimentador de dilemas, pois é vasodilatador, perturba o sono, faz isso e aquilo e ainda maltrata quem sofre de labirintite. Banho quente e banho frio – eis que há outra série de contras e a favor, mas que irão depender da temperatura lá de fora. No nordeste, por exemplo, o uso de chuveiro elétrico é bem menor do que no sul e sudeste. Leite. Este é outro cheio de reservas e mitos: leite com abacaxi dá congestão – isso é muito comum no sertão pernambucano. Comer um cozido e dormir também.
No quesito Psicanálise, aí o caldo entorna muito mais. Tudo existe para interpretar nossas atitudes. A gente vive submetida a interpretações pela roupa que veste e pela cor dessa mesma roupa. Pela forma de andar e pelo jeito de falar, além do que de fato se fala. A posição do corpo também funciona no rol de intepretações tanto dos Psicanalistas, Psicólogos e macumbeiros quanto dos que a isso se arvoram sem nunca terem estudado, sequer, acerca de Freud, Jung, Adler, Ralf Daharendorf, etc. Os macumbeiros entras nesta lista por conta de que utilizam muito a expressão "recado" para interpretarem fatos que acontecem em nossa volta. Tudo isso acrescidos dos nossos sonhos, pesadelos, etc. Precisamos não esquecer também dos ciganos e das suas diversas incursões no nosso imaginário através do que nossas mãos dizem e que nós não sabemos. Ah, a posição de dormir também nos revela aos outros, pois já existem estudos e pesquisas que dizem provar que nossa posição de dormir é reveladora do que somos.
Quando surge um remédio novo, logo vem outra notícia nos dizendo que temos que ter cuidados com ele, da mesma forma que qualquer outra novidade do mundo moderno a isso proporciona. Porque no nosso mundo moderno, a despeito de tanta praticidade advinda da tecnologia, não nos disseram que não temos vida eterna (ainda) e que a gente deve, de fato, lutar por vida saudável. Isso não significa dizer que temos que nos escravizar do que nos dizem e que nos mandam fazer com certo. Algo como elixir da vida longa, já que a vida eterna não existe.
Evidente que não defendemos uma vida sem cuidados, mas também não podemos vivê-la só cuidando do que se nos diz ser importante para não morrer antes do tempo. Acho inclusive que nossa cultura não nos prepara para a finitude da vida, mas para uma vida cheia de ficção em função de uma eternidade inalcançável ou de minutos de prazer eterno como se no dia seguinte a gente fosse morrer. Há questões de vida ou morte como a bebida, o cigarro, as drogas que devemos mesmo combatê-las até porque seus efeitos deletérios não ficam apenas nos usuários. Há outras questões que a gente pode não levar muito a sério deixando, por isso de sentir alguns leves prazeres que a carne nos cobra todo dia. Um breve exemplo: um diabético ficar privado de um bom pudim de leite! Belo dia ele quer sim ter esse prazer, porque em determinados momentos da vida “mais vale um gosto do que dez mil réis”, como se dizia no passado. Mais um exemplo: por que tirar de uma pessoa de 95 anos o cigarro dela, considerando que a mesma levou a vida toda fumando? – Esse foi o caso da minha avó que aos noventa anos o médico mandou que tirássemos o cigarro dela e assim fizemos. Resultado: ela fumava tocando fogo num pedaço de papel ou de pano ou do que tivesse perto e ficava aspirando a fumacinha. Lembro que um dia ela chorou pedindo por um cigarro e hoje eu me arrependo de não ter lhe dado aquele cigarro que tanto lhe fazia bem...
Viver é realmente difícil? Nem tanto. Viver é a descoberta que cada um tem que fazer com consciência e com praticidade para ser feliz. Há quem a tudo fique atento: um remédio novo, uma orientação nova sobre o ovo ou o cigarro ou sobre andar, correr ou ficar em casa. Também sobre uma droga nova para rejuvenescer, um Botox novo pra botar na cara, uma técnica nova de espichar as rugas. Tudo vale a pena se a alma não for pequena, como nos disse o poeta. “Emprenhar pelos ouvidos”? Há quem goste, eu não.
Por Carlos Sena
Mas, não devia. Viver dá mais trabalho do que normalmente se imagina por conta de que há pessoas que se especializam em criar teorias fantasmagóricas de vida. Se não tão fantasmagóricas excessivamente cheias de particularidades que, francamente, não sabemos se vale a pena viver cheio dessas amarras. Coisas que, num primeiro momento podem ser vistas como “frescura”, mas que também podem ter certo teor de assertividade. Esse bando de obstáculos a uma vida mais objetiva e simples se forem seguidos à risca, certamente iriam requerer de nós mais vidas como se a gente fosse gato. Talvez o gato suporte mais essas coisas e com menos ansiedade, pois como dizem o bichano tem sete vidas.
Do ponto de vista da saúde tudo fica mais minucioso conosco: um dia nos dizem que caminhar faz bem a saúde. No outro dia vem outra autoridade e diz que caminhar é bom, mas se for pela manhã. Já outro vem e contradiz tudo isso dizendo que é melhor à tarde, ainda recomendado que é melhor fazer ginástica na academia. O ovo, coitado do ovo! Todo dia sai um boato diferente: ora ele faz mal a saúde porque aumenta o colesterol, ora não faz mal nenhum. Adoçante: todo mundo diz que dá câncer, mas logo vem um novo nome de outro adoçante que depois de amanhã, certamente, estará condenado por conta do câncer. Café – eis outro grande alimentador de dilemas, pois é vasodilatador, perturba o sono, faz isso e aquilo e ainda maltrata quem sofre de labirintite. Banho quente e banho frio – eis que há outra série de contras e a favor, mas que irão depender da temperatura lá de fora. No nordeste, por exemplo, o uso de chuveiro elétrico é bem menor do que no sul e sudeste. Leite. Este é outro cheio de reservas e mitos: leite com abacaxi dá congestão – isso é muito comum no sertão pernambucano. Comer um cozido e dormir também.
No quesito Psicanálise, aí o caldo entorna muito mais. Tudo existe para interpretar nossas atitudes. A gente vive submetida a interpretações pela roupa que veste e pela cor dessa mesma roupa. Pela forma de andar e pelo jeito de falar, além do que de fato se fala. A posição do corpo também funciona no rol de intepretações tanto dos Psicanalistas, Psicólogos e macumbeiros quanto dos que a isso se arvoram sem nunca terem estudado, sequer, acerca de Freud, Jung, Adler, Ralf Daharendorf, etc. Os macumbeiros entras nesta lista por conta de que utilizam muito a expressão "recado" para interpretarem fatos que acontecem em nossa volta. Tudo isso acrescidos dos nossos sonhos, pesadelos, etc. Precisamos não esquecer também dos ciganos e das suas diversas incursões no nosso imaginário através do que nossas mãos dizem e que nós não sabemos. Ah, a posição de dormir também nos revela aos outros, pois já existem estudos e pesquisas que dizem provar que nossa posição de dormir é reveladora do que somos.
Quando surge um remédio novo, logo vem outra notícia nos dizendo que temos que ter cuidados com ele, da mesma forma que qualquer outra novidade do mundo moderno a isso proporciona. Porque no nosso mundo moderno, a despeito de tanta praticidade advinda da tecnologia, não nos disseram que não temos vida eterna (ainda) e que a gente deve, de fato, lutar por vida saudável. Isso não significa dizer que temos que nos escravizar do que nos dizem e que nos mandam fazer com certo. Algo como elixir da vida longa, já que a vida eterna não existe.
Evidente que não defendemos uma vida sem cuidados, mas também não podemos vivê-la só cuidando do que se nos diz ser importante para não morrer antes do tempo. Acho inclusive que nossa cultura não nos prepara para a finitude da vida, mas para uma vida cheia de ficção em função de uma eternidade inalcançável ou de minutos de prazer eterno como se no dia seguinte a gente fosse morrer. Há questões de vida ou morte como a bebida, o cigarro, as drogas que devemos mesmo combatê-las até porque seus efeitos deletérios não ficam apenas nos usuários. Há outras questões que a gente pode não levar muito a sério deixando, por isso de sentir alguns leves prazeres que a carne nos cobra todo dia. Um breve exemplo: um diabético ficar privado de um bom pudim de leite! Belo dia ele quer sim ter esse prazer, porque em determinados momentos da vida “mais vale um gosto do que dez mil réis”, como se dizia no passado. Mais um exemplo: por que tirar de uma pessoa de 95 anos o cigarro dela, considerando que a mesma levou a vida toda fumando? – Esse foi o caso da minha avó que aos noventa anos o médico mandou que tirássemos o cigarro dela e assim fizemos. Resultado: ela fumava tocando fogo num pedaço de papel ou de pano ou do que tivesse perto e ficava aspirando a fumacinha. Lembro que um dia ela chorou pedindo por um cigarro e hoje eu me arrependo de não ter lhe dado aquele cigarro que tanto lhe fazia bem...
Viver é realmente difícil? Nem tanto. Viver é a descoberta que cada um tem que fazer com consciência e com praticidade para ser feliz. Há quem a tudo fique atento: um remédio novo, uma orientação nova sobre o ovo ou o cigarro ou sobre andar, correr ou ficar em casa. Também sobre uma droga nova para rejuvenescer, um Botox novo pra botar na cara, uma técnica nova de espichar as rugas. Tudo vale a pena se a alma não for pequena, como nos disse o poeta. “Emprenhar pelos ouvidos”? Há quem goste, eu não.