25 de maio de 2013 - 100 anos de vida de Buua

Início do século XX. O mundo vivia um conturbado período de disputas por poder, disputas essas que serviram de prévias para a primeira grande guerra. No Brasil há pouco mais de uma década o país vivera dois importantes acontecimentos que marcaram seu povo e sua história.

A abolição dos escravos e a mudança da forma de governo do império para a república. O povo ainda não havia se acostumado com os novos tempos e quanto mais longínqua a região, mais conservadora parecia e não poderia ser diferente, face a dificuldade de comunicação então existente.

Foi nesse cenário que um jovem de pouco mais de 20 anos se apaixonou perdidamente por uma linda adolescente chamada Maria. O rapaz de nome Vigolvino, de origem branca, cabelos e olhos claros, de família tradicional e a moça, uma bela cabocla, filha de um negro, que já nascera livre, fora adotado por uma família branca, estudou e se tornou professor. Mas a família de Vigolvino não aceitou a escolha do filho e ameaçou deserdá-lo achando que isso o faria desistir de sua decisão. Engano. O amor deles era maior do que a fúria dos pais de Vigolvino e o jovem casal resolveu se casar recebendo a benção da igreja e da família de Maria.

Foram morar na pequena propriedade rural do pai de Maria e, não demorou, os filhos começaram a vir. Foi assim que no dia 25 de maio de 1913, nasceu no sítio Boa Vista, perto do Povoado de Ipueira, hoje cidade, uma bela menina, branca como o leite e de cabelos lisos e dourados como uma boneca de milho verde. Os pais deram-lhe o nome de Maria Paulina de Morais. A pequena Maria, mais tarde chamada de Buua, crescia saudável e radiante naquele seio familiar onde as vezes faltavam recursos financeiros, mas sobravam amor, compreensão e carinho.

No ano de 1920, Vigolvino e Maria, já com 6 filhos, resolveram procurar melhores condições para sustentar a prole e se mudaram para o povoado de São José de Espinharas. Ali Vigolvino foi trabalhar como vaqueiro em uma fazenda de gado, nos arredores do povoado. Foi também naquele ambiente que Buua viveria grande parte de sua vida.

Sendo a filha mais velha, Buua logo foi convidada a ajudar sua mãe nas lidas da casa. Com 10 anos de idade, no lugar de receber uma boneca para brincar, Buua recebia as irmãs pequenas para cuidar. Em lugar de um lápis e um caderno ou mesmo uma Cartilha do ABC para estudar, Buua tinha que se contentar com uma cabaça de roupas sujas, as quais tinha que lavar nas poças de água que se formavam no leito do Rio Espinharas, depois das cheias.

Aos 14 anos de idade, no início da transição de fase de criança para a adolescência, Buua era quase como a mãe de sua irmã Joana, com 3 anos, uma vez que sua mãe estva cuidando da outra irmã mais nova, a Isabel. Apesar do trabalho constante para uma menina de sua idade, Buua era muito feliz. Cuidava da irmã com uma ternura que chamava a atenção das pessoas com quem convivia. Foi essa ternura de mãe, jeito de menina e o corpo em transformação de menina para mulher que Buua começou a chamar a atenção dos rapazes da redondeza. Um desses rapazes era Balbino, então com 34 anos de idade, 20 anos mais velho que Buua. Balbino conheceu Buua em uma visita que fez a casa de seus pais com a finalidade de comprar animais bovinos para o abate, atividade que Balbino desenvolvia na região. Ficou tão encantado com a beleza daquela menina-moça, que imediatamente, chamou Vigolvino e pediu a mão de Buua em casamento.

Como Vigolvino gostava muito de Balbino, não hesitou em conceder a mão de sua filha primogênita ao amigo. No dia seguinte, Vigolvino chamou sua esposa Maria e sua filha Buua e comunicou a decisão. Foi um choque. Buua não esperava nem estava preparada para uma decisão daquela natureza. Não tivera, sequer tempo para sonhar com seu príncipe. Ainda não despertara para o amor. E chorou. Chorou por dois dias até que sua mão lhe convenceu que a maior missão de uma mulher era o casamento e ela já era uma mocinha e já podia casar. Assim, como na época, eram os pais quem decidiam sobre o casamento das filhas e essas deviam obediência absoluta aos pais, Buua aceitou a decisão e o casamento foi marcado para dias depois. No dia do casamento, Buua parecia mais uma menina que vai ao altar fazer sua primeira eucaristia do que uma noiva propriamente dita. O branco do seu vestido perdeu destaque frente a brancura de sua pele, destacando-se o rubor de sua face denunciando o tamanho da emoção que sentia naquele momento. Se estava feliz, não sabemos, pois naquele momento isso não importava mais. Era o compromisso de seu pai. O cumprimento de uma palavra que fora empenhada e não podia ser descumprida.

Depois de encerrada a cerimônia, o cortejo, com pouco mais de 20 ou 30 pessoas seguiu, a pé, rumo a casa grande de São José de Espinharas, onde a família morava. Ali, almoçaram junto com os convidados e já ao entardecer Balbino e Maria, já marido e mulher, seguiram para a casa onde morariam por anos, nos arredores do povoado de São José.

Não demorou e Buua foi mãe pela primeira vez aos 16 anos. No total foram 17 filhos dos quais somente 7 sobreviveram e se tornarem adultos. A vida de Buua não foi fácil, e aquela menina que passou direto da infância a vida adulta, assumiu as responsabilidades de uma dona de casa numa época em que os deveres da mulher eram bem maiores do que é hoje.

Balbino era um agricultor que cultivava a terra durante a semana e abatia bois, caprinos e suínos para vender nas feiras, nos finais de semana. Isso aumentava ainda mais as atribuições da jovem esposa. Além de cuidar da casa, cozinhar, lavar, passar, Buua tinha de recolher lenha no mato, colocar água em casa e cuidar dos animais menores como porcos e galinhas. Quando Balbino viajava para comprar gado, Buua assumia também o cuidado do pequeno rebanho.

Uma cena que me foi passada por sua irmã Joana não me sai da cabeça. Num final de tarde, Buua voltando da vazante do leito seco do Rio Espinharas com uma lata de batatas na cabeça e sobre a lata um fecho de rama das batatas para alimentar a criação de cabras. Um detalhe, Buua vinha ainda segurando a mão de uma das filhas e grávida de 7 meses.

Mas Buua não se abatia nem rechamava da vida. Aos 37 anos foi avó pela primeira vez. Hoje tem 26 netos, 44 bisnetos e 8 tataranetos. Veio morar em Patos em 1960 e ficou viúva em 1971 aos 57 anos de idade.

Religiosa convicta, desde nova reza seu terço todos os dias. Um dos maiores de seus sonhos era ter um filho padre. Mas, seu único filho homem não demonstrou vocação sacerdotal e não realizou seu desejo. Porém, se não teve um filho padre, teve duas filhas freiras. Rita foi freira por alguns anos, vindo a abandonar o hábito e casar posteriormente. Já sua filha caçula, irmã Zulmira, é freira há quase 50 anos.

Hoje Buua completa 100 anos repleta de amigos e admiradores. Alternando momentos de lucidez e desmemoriação, é admirada e amada por todos. Sentada em sua tradicional rede, onde prefere dormir, gosta de recordar fazes de sua vida que dá gosto ouvir.

Devota de Nossa Senhora, não abre mão de manter sempre ao alcance de seus olhos suas imagens sacras. Alterna sempre o uso de um escapulário de Nossa Senhora do Carmo com o seu rosário azul. É uma marca sua. A cada benção que seus herdeiros ou sobrinhos lhe pedem, ela não hesita em abençoar, em nome de Deus, por repetidas vezes. E esse gesto traz muita paz.

Buua, nós nos orgulhamos muito de tê-la conosco. Que essa data se repita por muitos anos ainda. Nós a amamos muito. Você é uma referência moral e espiritual para todos nós.

Jhoracio
Enviado por Jhoracio em 30/05/2013
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