NA CHUVA

 
 
 — Moça, por favor, por aquela rua posso ir pra Rodoviária?

 — Sim. Ali, tem uma parada de ônibus.

 — Não quero ir de ônibus. Vou a pé.

 — A pé? Então, é melhor ir por aqui. Também vou nessa direção. Tenho de devolver a chave de uma casa que fui ver para alugar. A imobiliária fica daquele lado. Podemos aproveitar a companhia de ambas. A senhora está indo para onde ?

— Vim para fazer uma mamografia e estou voltando para Charqueadas. É fim de mês e o pagamento ainda não saiu. Sabe como é.

— Trabalhei no Foro de São Jerônimo e atendi Charqueadas.

— É mesmo? E onde trabalha agora?

— Já não trabalho. Estou aposentada.

— Aposentada, tão jovem?

— Bondade sua. Realmente, aposentei-me jovem. Mas já faz oito anos.

— Gostou de se aposentar?

— Gostei. Hoje, preciso que meu dia tenha mais horas, para tantas coisas que faço. Há alguns dias, encontrei um senhor, já com os cabelos brancos, dizendo que não queria se aposentar, porque não teria nada para fazer.

— Homem é diferente, mesmo. Aposentados, não sabem o que fazer.

— Vamos passar por ali. Assim, faremos um atalho. Com esta chuva toda e a senhora sem sombrinha. Como vai fazer para chegar até a Rodoviária?

— Não tem importância. Gosto de chuva.

— Mas vai pegar o ônibus molhada. Vamos fazer uma coisa. A senhora leva a minha sombrinha.

— E a senhora? Vai ficar na chuva?

— Estou de capa. Ela me protege.

— Mas como vou lhe devolver?

— Não tem problema. Um dia, passo na sua casa para tomar um chá.

— Será um prazer, doutora.

— Daqui, vou em sentido contrário. Seguindo nesta direção, chega à Rodoviária. Por favor, tome a sombrinha.

— Não sei...

— Pegue. Insisto. Ficarei bem. A capa me protegerá. Não se preocupe.

— Muito obrigada. Felicidades para a senhora.

— Obrigada. Adeus.

Cheguei à imobiliária, devolvi a chave a retornei pelo mesmo caminho que fizera com a desconhecida. A chuva aumentou. Coloquei a bolsa sob a capa e segui.

Sempre gostei de andar na chuva, mas bem abrigada. De preferência de bota, capa impermeável e sombrinha. Acho gostoso. Mas assim, na chuva torrencial...

Uma alegria tomou conta de mim. Não sabia nem traduzir o que se passava. A chuva. Que gostosa! Parecia lavar-me as preocupações, retirar as impurezas, deixar-me leve. Tinha vontade de rir. Mas e as pessoas? Era deveras estranho ver uma mulher embaixo da chuva, rindo. Com certeza se trata de uma louquinha, coitada.

— Que bom! Como estou feliz! – murmurei, olhando para os lados para ver se ninguém tinha me ouvido.

 Lembrei a frase: “o que existe na vida são momentos felizes”. E eu estava feliz.
Vi outras pessoas na chuva. Mas passavam com semblante carregado, como se estivem levando o peso do mundo. Se pudesse passar-lhes o sentimento de felicidade que carrego, pensei.

Olhei para as árvores. Elas também estavam felizes. A chuva é a maneira de o Criador realizar a limpeza.

As árvores da cidade, com um movimento intenso de veículos descarregando a poluição sobre elas, como poderiam sobreviver se não fosse o processo de limpeza do Criador? Assim, quando muito sujas, já quase sufocadas, sem poderem respirar, vem a chuva e lava folhinha por folhinha, sem que ninguém tenha a preocupação de escová-las uma por uma. Depois, o sol e as aquece, secando-as.

Perdida nas divagações, não percebi que chegara.

A alegria não tinha uma justificativa. Só pensava em conservá-la para os demais dias, quando as preocupações chegassem.

Por isto, concluí que é importante vivermos cada momento com alegria, sem pensarmos no amanhã. Cada coisa de sua vez. Não vamos sofrer com o futuro e deixar de viver os instantes de felicidade que temos.

Como estará a desconhecida? Será que chegou bem em casa? Estará com a mesma alegria no coração que estou?

Não fique preocupada em devolver a sombrinha. Um dia, assim como hoje o destino cruzou nossos caminhos, poderemos nos encontrar.

E a sombrinha!? Foi é meu presente para quem, sem querer, proporcionou-me momentos de felicidade, na chuva.



 




MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 30/05/2013
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