Afinal o pai era o outro

Há situações nas vidas das pessoas que de tão caricatas atingem a raia da burrice ou no mínimo de absurdas.

Hoje, fui com a minha esposa visitar o meu sogro, ao Hospital da Universidade de Coimbra. Dois dias antes, tinha dado entrada naquele hospital de tal maneira grave que nos assustou, com os rins paralisados, diabetes descontrolados, perda da realidade, e com um enorme problema na perna derivado a uma varicose, estando na iminência de ser amputada. É com este quadro clinico que para lá nos dirigimos. No sexto piso, na enfermaria D, procurámos a cama 111.

- É aqui! – Diz a minha esposa.

Entramos e logo na primeira cama do lado esquerdo, vira-se a minha esposa, exclamando para mim:

- Olha, está aqui o meu pai!

O tio Rogério (modo como eu o trato) estava com um aspecto em que a doença transforma o ser humano. Magrinho, sem dentes, olhar macilento, até tinha perdido algum cabelo e as sobrancelhas. Numa rápida análise mental, conclui que a minha cunhada não tinha exagerado sobre o estado do meu sogro.

- Olá pai! - Saúda a minha mulher.

- Então tio Rogério, o senhor viu-se atrapalhado?

- Um bocadito.

- Pai! Dói-lhe alguma coisa? – Pergunta a Irene.

- Não, não me dói nada. Estou é à espera da minha senhora me visitar.

- Mas como é que ela vem? Sabe que ela não pode andar sozinha.

- Vem com Jorge, (Irmão da minha mulher) ele vai com o carro até minha casa e depois trá-la no meu carro.

Aí pensei: «coitado ainda não diz coisa com coisa» sabendo eu que nunca teve automóvel. Foi falando que lhe doía um pouco a barriga na zona onde tinha sido operado à vesicula, ainda segundo o médico, tinha os rins paralisados, mas de resto estava mais ou menos.

- E a perna pai? Como é que está a ferida.

- Eu não tenho ferida na perna.

«Coitado!» penso.eu.

- Podem ver que não tenho nenhuma ferida na perna.

A minha esposa espreita de baixo do lençol e começa chorar baixinho, eu espreito também e vejo que de facto não tem qualquer ferida. A minha mulher sussurra-me qualquer coisa, enquanto eu verifico que na outra perna também não tem nada. É nesta altura que de forma mais clara ela diz:

- Mas este não é o meu pai!?

A cama 111 era a de frente e nós estávamos a chamar pai a outro.

Só depois de falar com o meu sogro, que por sorte estava a dormir é que vimos a semelhança que nos levou ao engano. Mas se estivesse acordado o que é que ele havia de pensar, provavelmente chamaria o médico de serviço para nos internar, uma vez que nem a filha nem o genro o conheciam.

Quis contar esta peripécia, mas a minha esposa proibiu-me terminantemente, alegando a vergonha que iria passar, por não conhecer o pai.

Em minha defesa e da minha esposa, foi a coincidência do nome, de um filho com o mesmo nome do meu cunhado, da mesma operação feita uns anos antes à vesicula, só não tinha qualquer ferida na perna, e era muito magrinho já o meu sogro é um homem forte e ainda com cabelo, dentes e sobrancelhas. Mas a doença transforma as pessoas de tal maneira que nos enganámos. Agora vos afianço que estamos bem da cabecinha…Acho eu!

Lorde
Enviado por Lorde em 29/05/2013
Reeditado em 04/06/2013
Código do texto: T4315700
Classificação de conteúdo: seguro