O nepotismo do Zé da Esquina

O NEPOTISMO DO ZÉ DA ESQUINA

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 29.05.13)

Funcionário concursado de uma repartição governamental e ocupante de cargo de confiança do terceiro escalão, também conhecido como cargo comissionado, o Zé da Esquina teria sugerido ao chefe do chefe do seu chefe, numa conversa informal, que seu tio e colega de trabalho fosse nomeado para um cargo de confiança ainda maior do que o seu; no caso, para uma posição de primeiro ou segundo nível na hierarquia pública de um órgão vinculado à mesma repartição. Por causa do seu pedido, ou não, o parente acabou mesmo no posto em questão como ordenador primário (alguns leem e praticam como "ordeñador primario") de despesas. Missão cumprida, o Zé da Esquina recolheu-se ao seu anonimato funcional e pessoal.

Porém, sempre há um porém.

Na presente ocorrência, o Zé da Esquina acabou acusado de patrocinar o primeiro caso de nepotismo cruzado inverso. Ou invertido, os especialistas ainda discutem qual a melhor designação, a mais apropriada e mais expressiva para o fato em estudo. Afinal, trata-se, ao que parece, de um fenômeno ainda muito novo essa espécie de advocacia familiar de trás para a frente, digamos assim.

Ao Zé da Esquina não importa nada saber (nem é sua mínima preocupação) que nepotismo é palavra da língua portuguesa que derivou do latim "nepos, nepotis" e significa neto. No entanto, como aos papas não era conveniente que tivessem netos, ainda que os tivessem, o termo original, via idioma italiano, passou a referir o sobrinho do papa (muitos sobrinhos e sobrinhas na verdade são filhos ou filhas do tio) que recebia benefícios especiais a despeito de não reunir qualificações nem méritos específicos para o cargo a que fosse nomeado. O importante era ser da família e usufruir na boa um bom dinheiro dos cofres eclesiásticos. A ideia mostrou-se tão atraente, e rendia frutos tão polposos, que logo foi estendida tanto para os negócios públicos quanto para outros parentes, fossem descendentes ou laterais; para tais fins, cunhados, inclusive, passaram a ser parentes. O poderoso exerce o nepotismo nomeando ou promovendo os seus.

Não seria o caso do Zé da Esquina, que não tem o tio a seu serviço nem, muito menos, poder nem autoridade para contratar. Além disso, o Zé não é sequer argentino para candidatar-se à graça de sobrinho do papa, muito embora nada impeça que, pelo fluxo histórico de turistas portenhos por aqui, um irmão qualquer do papa tenha feito das suas e deixado marcas do seu DNA em descendentes ilhéus.

Entretanto, a originalidade do Zé da Esquina como criador do nepotismo cruzado inverso está vivamente ameaçada por uma originalidade ainda mais singular. Já nem se fala aqui do nepotismo dos partidos políticos (cada vez mais cargos de confiança para serem preenchidos por cada vez mais partidos e cada vez mais aliados que dariam sustentação ao governante e governabilidade à sua tarefa), dos futuros candidatos a alguma coisa e dos candidatos derrotados que precisam (como se isto fosse mesmo uma obrigação do poder público) ser amparados na desgraça da rejeição eleitoral.

Perplexo, o Zé da Esquina soube da existência de uma senhora que pratica, há anos, entra governo e sai governo, sai situação e entra oposição, o nepotismo de nome: casada certa vez com um sujeito eternamente muito poderoso, logo separou-se dele mas não do sobrenome do marido. Muito gostosa ou muito encrenqueira, brande o nome que tomou emprestado e consegue que seu ex a sustente nos cargos mais elevados como se sobrinha de papa fosse.

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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.

"Somente teremos discussões salutares neste País se respeitarmos a História."

Eu Mesmo, em 17.04.13, respondendo a "e-mail" sobre golpe de 1964 e ditadura de 21 anos.